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Teologia - A. T. Vol. 1
Teologia - A. T. Vol. 1

Título: Teologia do Antigo Testamento - Vol. 1

INTRODUÇÃO   

A teologia é a ciência que trata da natureza de Deus e da Sua relação com o universo. A Teologia do Antigo Testamento é o estudo dos atributos de Deus e o proprósito das Suas atividades na história e na vida do povo de Israel, de acordo com a doutrina da revelação divina nos livros sagrados deste povo. A Teologia do Antigo Testamento se limita ao estudo dos ensinos característicos, distintivos e persistentes dos veíulos da relação divina. Deixa de lado as aberrações e os conceitos primitivos condenados pelos profetas e procura apresentar os ensinos dos escritos mais esclarecidos do Antigo Testamento.

 

1. AS CIÊNCIAS BÍBLICAS E A TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO  

Com o novo conhecimento das ciências bíblicas, acumulado nos últimos anos, torna-se mais complicado, mais difícil, e mais importante o trabalho do teólogo, referente ao Antigo Testamento. Investigações históricas, arqueológicas e literárias têm esclarecido a história do Oriente Próximo e a contribuição ao desenvolvimento da civilização moderna. O Antigo Testamento foi produzido no ambiente histórico e cultural do Egito, da Mesopotâmia e das nações historicamente relacionadas com estas terras. Várias civilizações se levantaram no Oriente Próximo, séculos antes da origem dos hebreus, deixando elementos permanentes da sua cultura na vida dos povos subseqüentes. Os antigos sumerianos, acadianos e egípcios desenvolveram as suas civilizações e as suas literaturas, que exerceram influências culturais nos povos sucessivos destas terras. Os hebreus tiveram a sua origem no meio de sociedades desenvolvidas, e herdaram elementos da cultura dos povos contemporâneos. Em todas as épocas da sua história o povo de Israel participou da cultura dos vizinhos e até dos conquistadores. Com a exceção do período de Davi e Salomão, os Israelitas eram relativamente fracos entre as nações poderosas nos períodos sucessivos da sua história, e na maior parte: desse tempo eles ficaram sujeitos a outras nações. No período de mais de mil anos, Israel viu o levantamento e a queda de nações poderosas, enquanto Israel mesmo permaneceu relativamente fraco.

1.1. A ORIGEM HISTÓRICA DA FÉ DE ISRAEL   

Israel nasceu no ambiente histórico de três mil anos da civilização. Os templos de Tepe Gawra e Egidu, descobertos na Mesopotâmia, pertencem ao período obeide, cerca de 4000 a.C. As nações antigas haviam desenvolvido as suas culturas, com a produção de uma vasta literatura. Tinham progredido além do animismo, e outras primitivas da religião, ufanando-se dos sistemas elaborados de seu culto politeísta. Foi neste ambiente de politeísmo, e não de animismo, que a religião de Israel teve a sua origem. Sob a orientação de Moisés, como o profeta de YAHWEH, a fé de Israel representa um rompimento definitivo com o politeísmo, e não um desenvolvimento que resultou finalmente no monoteísmo dos profetas. Depois de numerosas discussões e estudos, críticos da normativa Bíblica sobre a libertação dos israelitas da escravidão do Egito, os historiadores em geral não têm mais dúvida quanto à verdade dos fatos fundamentais da narrativa. Ninguém pode entender o Antigo Testamento, à luz do novo conhecimento das ciências Bíblicas, sem reconhecer a revolução radical da religião que resultou das experiências dos israelitas com Javé na sua libertação do poder do Egito, e a história da sua religião que resultou daquelas experiências. É difícil acredirar que Moisés fosse enganado quanto à ordem e à orientação que tinha recebido do Senhor, e que a libertação resultasse desse engano. Segundo a narrativa Bíblica, não foi pela atuação de Moisés, nem pela sua cooperação, mas pelas forças da natureza, o vento e a maré, fora do seu controle, que eles venceram os egípcios. A fé de Moisés e a confiança do seu povo também negam que a libertação fosse acidental. Desde o período patriarcal os hebreus tinham certeza das suas comunidades com o Todo-poderoso. EL SHADDAI, que tomou a iniciativa na chamada de Abraão, prometendo engrandecer o seu nome e abençoar, por intermédio dele. todas as famílias da terra (Gn 12.1-3; 17.1-27). Os escritores bíblicos reconheceram o significado da fé de Abraão, mas deram mais importância ao concerto de Javé com o povo de Israel no Monte Sinai, pois nesta ocasião Israel foi escolhido como o povo do seu Deus, e foi na base desta eleição que se desenvolveu a sua religião. Foi esta relação de confiança e dependência de Javé, e não meramente as suas idéias acerca de Deus, que constituiu o pricípio interno e permanente da sua fé, distintamente Bíblica, nas promessas do amor eterno do Senhor do conserto, não resultou de opiniões que os profetas formularam. Ao contrário, creram em Deus, como resultado das experiências que os ligaram com o Senhor. Esta origem singular da fé de Israel distingue a religião do Antigo Testamento de todas as outras, e apresenta os fatos fundamentais da sua teologia. Para os escritores Bíblicos, a religião pertencia à vida inteira, e relacionava-se com todas as suas experiências. Deus não ficava isolado do ser humano e dos seus problemas. Era participante com o ser humano no drama da vida. Os outores do Antigo Testamento reconheceram a mão de Deus em toda a sua história, e tentaram descobrir e entender o propósito Divino nas atividades do Senhor. A libertação dos israelitas do poder do Egito; o Êxodo, e a formação da vida nacional ficaram firmemente estabelecidas nas suas tradições. Guardavam a Páscoa como memorial de sua libertação. As suas doutrinas teológicas nasceram das suas comunicações com o Senhor, e nestas experiências religiosas era Deus quem tomava a iniciativa. Atrás da história de Moisés, como guia do Seu povo, havia a orientação e o poder do Senhor. A escolha de Israel para ser o povo santo e sacerdotal do Senhor foi-lhe anunciada por Moisés, o mensageiro de Deus e o profeta do Seu povo. O povo creu na verdade da mensagem, aceitou a incumbência Divina, e as experiências subseqüentes com o seu Senhor justificaram a sua fé. A escolha de Israel não foi devida ao seu mérito, mas unicamente à graça Divina, ao amor imerecido de Javé. 

1.2. O CONCEITO BÍBLICO DA HISTÓRIA   

É no Antigo Testamento que encontramos o primeiro conceito distintivo e coerente da história. A origem histórica da religião de Israel forneceu aos escritores Bíblicos a chave para a interpretação da história. Os autores, os profetas, interpretaram a história do ponto de vista das atividades Divinas na sua vida nacional. Assim entenderam o propósito do Senhor, não somente na sua própria história, como também na criação do mundo para o serviço e o desenvolvimento da humanidade inteira, debaixo da orientação de Deus, de acordo com a Sua vontade soberana na direçaõ da história para o alvo predeterminado. Há vários métodos de interpretar a história da civilização. Os sistemas filosóficos e as interpretações da história variam de uma civilização para outra, e de um período para o outro, de acordo com a mudança dos ideais e características de culturas sucessivas. É por isso que poucos filósofos e historiadores em geral têm as qualificações para pronunciar a última palavra sobre a verdade ou a falsidade das experiências religiosas de Israel e o valor histórico do Antigo Testamento. Não se pode negar a importância do trabalho de historiadores, mas as suas obras são freqüentemente parciais e incompletas, com interpretações erradas, porque não vêem qualquer desígnio inteligente no desenrolar da história. Por isso, nesta época científica, muitos estudantes modernos estão perdendo o interesse no estudo da história. Outros reconhecem que há algum desígnio na história, mas quando se baseiam na teoria da evolução ateísta, ou confiam no ideal do progresso, a própria história oferece pouco, ou quase nada, para apoiar o seu ponto de vista. Se há desígnio de uma inteligência Suprema na história da humanidade, Ele tem que ser descoberto pela fé. Interpretando a história segundo o desígnio distinto e coerente que o seu Senhor lhes revela, os israelitas apresentam os fatos e os eventos que lhes evidenciam a finalidade Divina da sua história. Assim se explica por que o Antigo Testamento é história teológica e ao mesmo tempo uma Teologia Bíblica. Os profetas do Antigo Testamento foram os primeiros a apresentar as evidências Divinas na história, e a interpretarem o desígnio de tais atividades. É esta interpretação profética das atividades de Deus na história de Israel que produziu o Antigo Testamento. Mas do ponto de vista histórico, a religião hebraico-cristã se distingue de todas as outras pelo princípio interno da sua existência. Desde Moisés até o dia de hoje, o fator da religião bíblica, através de todas as modificações de formas exteriores, tem sido a sua fé persistente na justiça e na misericórdia de Deus. No estudo da religião de Israel, e dos princípios internos do seu desenvolvimento, nota-se que os mensageiros de Deus sempre se firmaram nas circuntâncias peculiares do seu livramento da escravidão do Egito pelo poder do Senhor. A convicção da sua escolha para ser o povo separado para o serviço do seu Deus era bastante forte para suportar a disciplina rigorosa das vicissitudes da sua longa história e aprender, até nas aflições, cada vez mais da justiça, bem como do amor imutável do Senhor. Os profetas produziram as Escrituras Sagradas nos períodos críticos da vida nacional, e a sua fé brilhava mais quando tinham que enfrentar aflições e sofrimentos. Mesmo na derrota nacional e na humilhação do cativeiro, floresceram as esperanças áureas na vinda do reino eterno do Messias do Senhor. Os seus ensinos éticos e morais purificavam-se à medida do crescimento do seu conhecimento da santidade e justiça de Deus. O seu conceito de um só Deus, justo e misericordioso, lutava contra as formas sedutoras de politeísmo, e ganhou a vitória que vai influenciando e abençoando cada vez mais os povos do mundo. 

1.3. A ARQUEOLOGIA E O ANTIGO TESTAMENTO   

Não se pode justificar todas as declarações extravagantes de alguns arqueólogos quanto ao valor desta ciência na verificação dos pormenores de todas as narrativas Bíblicas. Há problemas críticos e históricos que a arqueologia não pode resolver. Há enigmas históricos que ficam até mais complicados, à luz de descobertas arquiológicas. Mas todos os estudantes reconhecem agora o imenso valor desta ciência no esclarecimento do ambiente cultural da Bíblia. A arqueologia nos explica a rica herança que os hebreus receberam das civilizações antigas e a influência desta cultura na produção da literatura do Antigo Testamento no período de progresso notável da humanidade. Desde a primeira guerra mundial as descobertas arqueológicas oferecem um acúmulo crescente de material que ainda não foi devidamente estudado e assimilado. Os textos de línguas antigas, descobertos e decifrados, oferecem uma vasta quantidade de material sobre os princípios de organizações sociais no Oriente Próximo. Estes grupos construíram cidades e organizações governos, com o desenvolvimento gradual da arte, da religião e de outras formas de cultura. Nas lutas que resultam na rivalidade entre os Estados Municipais, levantaram-se impérios que prosperaram por algum tempo, e então caíram perante outros, maiores. A religião, com os seus templos e deuses, exerceu uma influência extraordinária na vida dos povos antigos. As escavações em numerosas ruínas da Palestina e de outras terras em redor ajudam no esclarecimento da cronologia dos eventos da história dos povos contemporâneos dos judeus. Sabemos mais agora dos povos mencionados no Antigo Testamento, como os horeus, das suas relações com os patriarcas, e das suas influências na vida nacional de Israel. Sabemos mais das condições históricas quando este povo se levantou e tomou o seu lugar na história. Ficou esclarecido como conseguiu tornar-se independente do Egito e se estabeleceu na Palestina como pequena teocracia, sob o governo do Senhor, que lhes dera a sua liberdade. Não há nenhum período da história de Israel, desde Abraão até o período interbíblíco, que não tenha ficado melhor conhecido como resultado das informações acumuladas pelo grande número de descobertas arqueológicas nas ruínas da Palestina. Sem discutir a contribuição dos arqueólogos, no estudo dos períodos sucessivos da história de Israel, podemos dizer que a ciência confirma, esclarece ou suplementa a informação histórica, política e religiosa do Antigo Testamento em quase todas as suas partes. Além desta contribuição que acentua e reforça a importância histórica do Antigo Testamento, a arqueologia oferece também, às vezes indiretamente, informação relevante para o teólogo Bíblico. Na revelação própria de Javé, e na Sua obra de libertação do povo de Israel, uma nova fé foi introduzida no mundo, uma fé que desde o princípio tinha que lutar para manter o seu conceito distintivo do seu Deus no meio das religiões politeístas de seus vizinhos. Alguns estudantes da história das religiões acentuam as semelhanças existentes entre a religião de Israel e a de seus vizinhos, deixando a impressão de que não havia nada de distintivo na fé do povo do Antigo Testamento. Não há dúvida quanto às semelhanças entre as formas e cerimônias destas religiões. É reconhecido também que muitos israelitas, em todas as épocas da sua história até o cativeiro babilônico, foram seduzidos pela religião conveniente dos vizinhos e desprezaram as exigências rigorosas do Santo de Israel. Mas a arqueologia tem-nos demonstrado muito mais do que as semelhanças existentes entre as formas e cerimônias religiosas do povo de Israel e as de seus contemporâneos. Sabemos agora, à luz do novo conhecimento arqueológico, que havia uma diferença abismal entre o Deus justo e misericordioso de Israel e os deuses da fertilidade dos cananeus. P.ex., a literatura ugarítica que é mais semelhante à da Bíblia hebraica do que qualquer outra, fala da bestialidade de Baal e da horrível imoralidade de seus sacerdotes e outros seguidores em seus atos religiosos. A pena para este pecado entre os israelitas era a de morte (Lv 20.15). O padrão de qualquer religião é determinado pelas crenças e pela vida dos fiéis, e não pela prática dos infiéis. Alguns teólogos pensam que os israelitas não chegaram a crer na existência de um só Deus. Acreditam que os israelitas eram henoteístas, que adoravam a Javé, mas também a outros deuses de seus vizinhos. O Antigo Testamento nos declara que muitos dos reis de Judá e Israel, desde Salomão, com muitos de seus súditos, eram até politeístas e que alguns destes abandonaram o Senhor. Mas isto não prova que a religião fundada por Moisés era politeísta ou henoteísta. É difícil aceitar que os Dez Mandamentos atribuídos a Moisés, reconheçam a existência de qualquer deus além de Javé. Os arqueólogos mais informados sobre as religiões contemporâneas do Antigo Testamento, pensam que a religião de Israel, na sua norma, era monoteísta desde o tempo de Moisés. Com o acúmulo de novos materiais e o novo conhecimento das diferenças entre a fé de Israel e as religiões politeístas, estão-se mudando as primeiras conclusões sobre  a semelhança da fé de Israel com as religiões de seus vizinhos. É geralmente reconhecido agora que as crenças religiosas de Israel, até nas suas formas antigas e básicas, são profundamente diferentes das de outras religiões semíticas. Muitos teólogos crêem agora que não é possível a religião do Antigo Testamento como desenvolvimento do politeísmo. A crítica do texto hebraico do Antigo Testamento é importante para o teólogo. Temos muitas provas do cuidado dos israelitas na transmissão dos textos dos seus livros sagrados, mas sabemos também que há diferenças entre o texto Massorético e o da Septuaginta. Estudantes da Bíblia sabem do vasto trabalho feito nos numerosos manuscritos do Novo Testamento, e de várias outras fontes, para restaurar, tanto quanto possível, o texto original do Novo Testamento. Devido à falta de manuscritos antigos, as fontes para o estudo do texto hebraico do Antigo Testamento ficaram limitadas quase exclusivamente aos manuscritos do nono e décimo séculos cristãos, e às versões antigas. Agora, felizmente, temos vasta quantidade de literatura semítica que ajuda no entendimento de termos difíceis, da gramática e da sintaxe hebraica. A semelhança entre a poesia hebraica e a de outras línguas semíticas ajuda também no esclarecimento do paralelismo e de outros característicos da poesia do Antigo Testamento. Certos característicos literários da poesia semítica, que podem ser datados, ajudam também a datar alguns dos salmos bíblicos. Alguns destes são mais antigos do que a crítica, sem a nova luz julgava. Mas a descoberta de manuscritos, e pedaços de manuscritos de quase todos os livros do Antigo Testamento nas cavernas em redor do Mar Morto, vasta quantidade de material para ajudar na verificação do melhor texto da Bíblia hebraica. O estudo de pedaços de manuscritos antigos de Samuel ajudou na solução de alguns enigmas destes livros históricos e esclarecendo algumas diferenças entre o texto Massorético e o da Septuaginta. Ora, seria fácil exagerar o valor destes novos estudos para a ciência da Teologia Bíblica, quando nos lembramos da fidelidade dos escribas que nos transmitiram as Escrituras. Por outro lado, é difícil exagerar o valor do estudo do ambiente histórico em que a Bíblia foi produzida, das lutas e dos triunfos dos seus ensinos na instrução do povo de Israel e da humanidade. Nenhum estudante sério pode escrever sobre a história e a teologia da religião de Israel sem estudá-las à luz do fundo histórico e religioso do Oriente Próximo. Devemos estudar tudo que nos pode ajudar na interpretação das Escrituras, se quisermos salvaguardar o valor dos seus ensinos para o povo da nossa época. É inadequado este exame rápido da importância da arqueologia bíblica para um esclarecimento do ambiente cultural e religioso do Antigo Testamento. Além de explicar a cultura que os hebreus receberam dos povos antigos, e de seus próprios contemporâneos, com o aproveitamento daquela cultura na produção do Antigo Testamento, a arqueologia nos mostra também a luta constante e prolongada de Israel com os perigosos ideais e práticas religiosas que prevaleceram entre os seus vizinhos. Mostra também como muitos israelitas abandonaram os ensinos da justiça Divina para seguir após os deuses dos vizinhos que praticavam a imoralidade nas suas cerimônias religiosas. Este estudo não diminui o preço que temos pela Bíblia, antes aumenta a profunda admiração do estudante da providência Divina na direção do povo escolhido, desde o seu princípio humilde, através de tantas vicissitudes da história, até as alturas sublimes dos grandes profetas. Os caractirísticos peculiares da religião do povo de Israel ficam mais esclarecidos pela rejeição final das influências mais perniciosas das religiões dos povos contemporâneos. Os ensinos vitais de valor imperecível que Israel deu ao mundo não constavam da cultura que recebera de outros povos, mas das suas próprias verdades recebidas diretamente nas suas experiências históricas com  o Deus vivo e sempiterno. 

1.4. A ÊNFASE NO ESTUDO DO ANTIGO TESTAMENTO  

Nenhum livro do mundo tem sido estudado com tanto carinho, em tantas línguas e por tanto tempo como a Bíblia. Nenhum outro livro tem provocado a produção de tantas obras literárias . Vai se mudando o centro de interesse no Bíblia de acordo com as controvérsias teológicas de época em época. O Concilio de Trento decretou dogmaticamente a Bíblia latina como o texto de autoridade para a Igreja CAtólica. Mas antes da Reforma alguns eruditos começaram o estudo dos textos hebraicos e gregos da Bíblia. Surgiram controvérsias sobre o verdadeiro texto da Bíblia e a sua interpretação, mas não havia discórdia quanto à natureza essencial da inspiração Divina das Escrituras. Devido à concepção estática da inspiração da Bíblia antes da Reforma, todas as partes das Escrituras eram consideradas de igual valor, sem se tomar em consideração a data, o autor do livro ou as suas características literárias. Pouca ou nenhuma atenção se dava à diferença entre a prosa e a poesia, alegoria e narrativa, drama e história, cerimônias temporárias e verdades eternas, ou aos vários outros característicos literários. Surgiram no décimo oitavo século novos métodos de se estudar a Bíblia. Com a aplicação das teorias do relacionamento, levantaram-se dúvidas sobre as premissas fundamentais das doutrinas teológicas da religião cristã. Estes novos dogmas de relacionamento ameaçaram minar os fundamentos venerados dos teólogos ortodoxos da época. Os novos intérpretes deram ênfase à produção humana das Escrituras. Levantaram dúvidas sobre as datas e os autores tradicionais de vários livros do Antigo Testamento. Os livros do Pentateuco, segundo a nova crítica, p,ex., foram escritos muitos tempos depois da época de Moisés, e representaram apenas tradições históricas. Com esta nova ênfase no processo humano que produziu as Escrituras Sagradas da Bíblia, ficou quase perdida a convicção de que houvesse qualquer revelação de Deus no Antigo Testamento. Para alguns a Bíblia era apenas um documento puramente humano. Mas nem todos os seguidores da nova escola crítica eram inimigos da fé, como afirmaram alguns de seus oponentes. Havia alguns que não tinham a mínima objeção em sujeitar a Bíblia à crítica mais severa possível, enquanto isto se fizesse com o desejo de descobrir e seguir a verdade. Mas infelismente o novo método tornou-se para alguns: apenas uma investigação friamente científica, sem o devido reconhecimento dos seus característicos peculiares e sem observarem devidamente a natureza da origem das suas verdades imperecíveis. Com o desenvolvimento da ciência no décimo nono século, e a promulgação da teoria Darwiniana da evolução, a Bíblia perdeu ainda mais da sua influência e pretígio. Ficou desacreditada, especialmente como livro científico, e muitos rejeitaram, nesta base, a sua origem e a sua autoridade Divina. Mas os estudantes cuidadosos descobriram sua resposta, de fato evidente, nas páginas da própria Bíblia, e é que ela não foi escrita como obra científica, mas como uma revelação Divina, que se apresenta pelas comunicações de pessoas com Deus, de acordo com a cultura da época e a capacidade dos escritores de entendê-la. O novo conhecimento do fundo cultural da Bíblia, acumulado nos últimos anos, põe em relevo os característicos distintivos da religião e das Escrituras do Antigo Testamento. Com o novo conhecimento das ciências bíblicas, vai-se mudando a defesa da Bíblia como a mensagem de Deus. Entre os seus defensores criteriosos, perdeu-se o receio da crítica literária e histórica das Escrituras. Se Moisés não escrevesse os cinco livros do Pentateuco, na forma que têm em nossa Bíblia, p.ex., e se fossem editados séculos depois do acontecimentos dos eventos que recordam, sabe-se agora que isto não nega o valor histórico destas obras. À luz do novo conhecimento da história dos povos contemporâneos, verificaram-se os fatos mais importantes da história dos hebreus. É claramente verificado, e geralmente reconhecido, que a sociedade patriarcal apresentada no livro de Gênesis é semelhante à dos hurianos, um povo contemporâneo de Abraão, Isaque e Jacó. Até os costumes e as práticas dos dois povos eram semelhantes. A literatura dos hutianos, como os seus contratos de casamento e várias outras qualidades de documentos que descrevem os seus negócios e as suas atividades de dia em dia por alguns anos, demonstra as semelhanças entre a vida social dos hurianos e a dos patriárcas Bíblicos. Notamos a mudança das opiniões de historiadores a respeito das narrativas Bíblicas da libertação dos israelitas da escravidão do Egito e dos princípios da vida nacional deste povo. Enfim, a crítica literária e histórica não modifica essencilmente a interpretação dos eventos históricos que deram origem ao culto de Javé pelo povo de Israel. A crítica não pode modificar as evidências abundantes da certeza absoluta do povo de Israel de que Javé tomou a iniciativa no estabelecimento da sua fé, e da sua vida como o povo escolhido do Senhor. A psicologia da religião e o estudo das religiões comparadas ajudam no entendimento dos característicos dos ideais distintivos do Antigo Testamento e o valor imperecível das suas verdades Divinas. A tarefa do teólogo do Antigo Testamento é de apresentar as verdades da religião de Israel organicamente, mostrando como uma verdade surgiu de outra que a precedeu. Assim Deus implantou as verdades de seu reino na vida religiosa de Israel, o seu povo. As verdades do reino de Deus se apresentam em termos da história, das instituições e da vida do povo de Israel. Há uma distinção definitiva entre a teologia do Antigo Testamento e a do Novo Testamento. A teologia dos judeus baseia-se principalmente nos seus livros canônicos do Antigo Testamento. Os muçulmanos acrescentam ao Antigo Testamento os ensinos de seu profeta. Ora, os cristãos reconhecem a conveniência de tratar a teologia de cada uma das duas partes da Bíblia separadamente, cuidando de não ler no Antigo Testamento ensinos distintivos do Novo Testamento. Nem se deve obscurecer as diferenças entre os ensinos das partes. É necessário, todavia, do ponto de vista cristão, reconhecer que as doutrinas teológicas do Novo Testamento ficam enraizadas na teologia do Antigo Testamento, e que a teologia do Antigo Testamento chega à plena fluição na teologia do Novo Testamento. Alguns teólogos cristãos preferem escrever sobre a teologia Bíblica. Assim começam com as doutrinas do Antigo Testamento e mostram como se desenvolveu no Novo Testamento. É claro que este método tem algumas vantagens, mas tem a tendência de olvidar os característicos distintivos e as riquezas peculiares de cada uma das divisões. Não se deve ler o Antigo Testamento como texto científico da história, pois que trata das experiências religiosas do povo de Israel com o seu Deus. Escritores Bíblicos, de épocas diferentes, interpretam os acontecimentos na sua nacional de pontos diferentes. Um estudo cuidadoso mostra que há três fontes da teologia do Antigo Testamento representadas no longo período de desenvolvimento que culminou nas doutrinas teológicas dos profetas canônicos. A corrente principal se originou da revelação de Javé ao povo de Israel por intermédio de Moisés, a redenção e a ecolha de Israel para o serviço de seu Deus. Depois Javé identifica-se com El Shaddai, o Deus de Abraão, e assim a fé patriarcal integrou-se com a teologia bíblica. A terceira fonte, a influência dos vizinhos na religião de Israel, é mais difícil avaliar. Os mensageiros do Senhor lutavam heroicamente para purificar a sua religião das influências piores dos povos contemporâneos, mas há dúvida de que os israelitas incorporam algumas das festas e cerimônias religiosas dos povos cananeus no seu culto ao Senhor. Mas na teologia dos profetas esta influência foi reduzida ao mínimo, mais ou menos como cristianismo livrou-se, em grande parte, das influências do paganismo. Há sempre oposição aos novos métodos de estudar a Bíblia, e a mudança de ênfase na interpretação de seus ensinos. Escrito por muitos autores, através de um longo período, com psicologia e cultura peculiares, o Antigo Testamento oferece dificuldades para o leitor moderno que não tem conhecimento de seu fundo cultiral. Por isso a leitura da Bíblia está sendo muito negligenciada pelo povo em geral. Por outro lado, o estudo das ciências bíblicas por especialistas está tirando do tesouro das Escrituras Sagradas coisas novas e antigas.

1.5. A CIÊNCIA DA TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO   

A teologia é a ciência que trata da natureza de Deus e da Sua relação com o universo. A teologia do Antigo Testamento é o estudo dos atributos de Deus e o propósito das Suas atividades na história e na vida do povo de Israel, de acordo com a doutrina da revelação Divina nos livros sagrados deste povo. Esta definição distingue a Teologia Bíblica do Antigo Testamento da História da Religião do povo de Israel. Convém esta distinção, reconhecendo que as duas ficam naturalmente entrelaçadas. A História da Religião de Israel é a matéria que trata do desenvolvimento religioso do povo de acordo com a seqüência dos seus períodos históricos e das influências religiosas recebidas dos vizinhos. A Bíblia não sistematiza os seus ensinos, mas a ciência teológica trata das doutrinas distintivas e persistentes das Escrituras na ordem lógica e ou teológica que se julga mais conveniente. Discute a revelação de Deus aos profetas e procura determinar a relevância dela para a teologia cristã. A definição limita a fonte do material desta primeira divisão da teologia bíblica aos livros canônicos dos judeus e dos cristãos evangélicos, ao passo que alguns destes são superiores a outros no valor dos seus ensinos teológicos. As idéias teológicas dos livros Apócrifos têm pouca importância para a ciência, e por outras razões, é melhor deixá-los fora, embora tenham valor no estudo de outros assuntos bíblicos. A ciência da teologia do Antigo Testamento propriamente se limita ao estudo dos ensinos característicos, distintivos e persistentes dos veículos da revelação Divina. Deixa de lado as aberrações e os conceitos primitivos condenados pelos profetas e procura apresentar os ensinos teológicos dos escritores mais esclarecidos do Antigo Testamento. Reconhece os novos conhecimentos, confirmados pelas ciências Bíblicas, sem entrar na discussão formal destes estudos. Aproveita-se igualmente dos resultados estabelecidos pelo estudo da crítica literária, mas não procura fixar a data da origem de cada uma das doutrinas bíblicas. A cosmologia dos escritores tem pouca importância para o teólogo, mas a doutrina da criação do mundo e das atividades de Deus na direção da história tem importância especial, porque põe em relevo o poder e a autoridade do Senhor. A exegese das Escrituras é essencial na exposição dos seus ensinos teológicos, e deve acompanhar a discussão das doutrinas. O conhecimento do hebraico é indispensável para o teólogo que deseje aprofundar-se no estudo da teologia do Antigo Testamento. É preciso estudar os ensinos dos escritores segundo a sua própria norma psicológica, e religiosa, reconhecendo e interpretando as experiências religiosas que são distintivas e que se relacionam entranhadamente com as doutrinas bíblicas. Deve o estudioso aproximar-se do estudo desta ciência com simpatia e discernimento intelectual, reconhecendo sempre que são os ensinos distintivos do povo de Israel que constituem a teologia do Antigo Testamento. O teólogo segue o método histórico e crítico nos seus estudos como em qualquer ciência. É fácil desviar-se desta norma, especialmente quando se vai ao estudo com opiniões obstinadamente formadas, segundo preconceitos religiosos, filosóficos ou científicos. O amor da verdade é a qualificação imprescindível para o estudo de qualquer ciência. A fé também ajuda no discernimento intelectual nas investigações teológicas, como tem valor no estudo das ciências físicas. Todavia, o teólogo trata da religião, e tem que reconhecer alguns fatos e fenômenos que, em geral, são irrelevantes no estudo das ciências puramente físicas. De que valor é o estudo da Teologia do Antigo Testamento para o cristão? Sendo a primeira divisão da teologia Bíblica, é um preparo importante para o ministério cristão. Os dois testamentos estão entrelaçados de tal modo que não se pode entender a fundo um, sem conhecimento básico do outro. O Novo Testamento surgiu do Antigo Testamento. O Antigo Testamento era a Bíblia dos cristãos primitivos antes da produção do Novo Testamento. O pregador, ou qualquer outro estudante do Evangelho, pode e deve estudar o Antigo Testamento, a Bíblia do Mestre, não somente com proveito, mas com o sentimento enlevado (Lc 24.29-49). Os ensinos teológicos da primeira divisão da Bíblia constituem as verdades religiosas e básicas que produziram a Segunda parte. O povo de Israel tinha a certeza inabalável de que o Senhor Javé era o seu Salvador do poder cruel do Egito. Tinha experimentado aquela maravilhosa libertação de acordo com a promessa de Moisés, o mensageiro de Javé, o Salvador. Aquele ato governou todo o pensamento subseqüente do povo sobre o seu Deus. Havendo-se revelado o seu caráter na história daquela libertação, os israelitas, desde então, o reconheceram como o Deus da história. Porque tinha usado as forças da natureza naquela maravilhosa obra, Israel julgava que o seu Senhor era o controlador da natureza. O livramento político ou nacional podia ter produzido uma religião apenas de patriotismo e arrogância, semelhante à dos assírios e outros. Os israelitas perceberam, imperfeitamente no princípio, mas cada vez mais claramente, que o mérito do espírito é melhor do que a glória política, que a justiça exalta a nação e o pecado é o opróbio dos povos, e que só os puros de sentimento podem entrar em comunhão com o Santo de Israel. Assim os ensinos dos guias espirituais produziram entre o povo de Israel uma comunhão frutífera com Deus e uma piedade genuína. Muitos judeus, incluíndo sacerdotes, no período apostólico, reconheceram que podiam aceitar o Evangelho de Cristo sem renunciar às verdades essenciais da sua própria religião. O seu próprio Messias lhes dava novo entendimento das Escrituras, retrilhava a fé com novos motivos de gratidão ao Senhor e novas esperanças no cumprimento da missão do povo escolhido. Ao mesmo tempo todos os cristãos, incluindo os não-judeus, podiam crescer no conhecimento da graça de Deus pela leitura do Antigo Testamento, especialmente dos Salmos e dos Profetas. Todos os cristãos podiam fortalecer a fé, e receber conforto e socorro Divino na leitura das Escrituras para desempenho da sua missão no mundo cruel de sofrimentos, perseguições e até martírios.

 

2. A DOUTRINA BÍBLICA DA REVELAÇÃO DE DEUS   

As ciências bíblicas e os historiadores relacionados com a origem e a produção dos livros do Antigo Testamento ajudam no esclarecimento e na interpretação da sua mensagem. Este esforço de descobrir o ambiente cultural da origem do Antigo Testamento põe ênfase no elemento humano da sua produção, mas não nega a doutrina bíblica da revelação Divina. O Antigo Testamento apresenta-se como obra de pessoas inspiradas e orientadas por Deus na transmissão da mensagem de Deus. Não se pode defender mais a posição extremista segundo a qual o próprio Deus ditou, palavra por palavra, as Escrituras Sagradas aos Seus agentes humanos, que ficaram inteiramente passivos no ato de recebê-las. Para o leitor cuidadoso da Bíblia, é bem claro que Deus usou os dons, a vontade, a disposição e a capacidade intelectual dos escritores na transmissão da Sua mensagem. A palavra revelar significa tirar o véu. No Antigo Testamento, o conceito limita-se exclusivamente à revelação do próprio Deus e dos mistérios Divinos que o ser humano é incapaz de descobrir. 

2.1. A PSICOLOGIA DOS HEBREUS   

Todos os povos primitivos sentiam-se bem perto dos poderes sobre-naturais, e os hebreus, no período da sua história, freqüentemente sentiram-se cônscios da comunhão com Deus, como aconteceu com Abraão, Isaque, Jacó, os juízes, os salmistas e os profetas. É característico dos escritores bíblicos, que raramente apresentam argumentos para provar a sua comunicação pessoal com Deus. Não explicam como Deus pode ser conhecido. O israelita reconheceu-se a si mesmo como criatura de Deus. Como não levantou dúvida sobre a sua própria existência, assim também não podia duvidar da existência e da realidade de Deus. O conceito de Deus era-lhe perfeitamente natural. Vinda de uma fonte transcendente, a revelação escapa à nossa plena compreensão. Mas podemos estudá-la no seu contato com a experiência humana. No estudo da revelação temos que reconhecer a sua contraparte, a inspiração. Podemos analisar e estudar as atividades Divinas à medida que se revelam à inteligência dos agentes ou veículos da revelação. Ora, os profetas bíblicos sempre estiveram plenamente certos de que o Senhor falava por intermédio deles. O hebreu pensava que o espírito do ser humano podia ser invadido facilmente por algum espírito externo ou uma energia de fora. Portanto, a inpiração, do ponto de vista do profeta, era a invasão do seu espírito pelo Espírito do Senhor. Os profetas freqüentemente declaram que o Espírito do Senhor apoderou-se deles, e lhes deu entendimento e poder. O conceito que o profeta tinha da inspiração pelo Espírito do Senhor é muito diferente do êxtase do grego. O Antigo Testamento não apresenta nenhum exemplo de um espírito desincorporado. Os que falam dos profetas extasiados perpetuam uma idéia que o hebreu não podia ter entendido. Apesar da falta do conhecimento da psicologia dos povos antigos por parte do ser humano moderno, sabemos que os elementos essenciais da revelação Divina se expressaram segundo a psicologia hebraica. Toda revelação começa com Deus. A mão irresistível de Deus descansava sobre o profeta. Na Sua comunicação com o ser humano, Deus não fica limitado pela psicologia do ser humano moderno. Entendendo-se a psicologia dos profetas, pode-se compreender mais claramente a operação do Espírito do Senhor na vontade e na vida do profeta. O hebreu não fazia, como nós, distinção nítida entre os fenômenos físicos e os fatos do mundo espiritual. Assim, compreendia, mais claramente do que o ser humano moderno, o significado das atividades de Deus na vida humana e na história. Esta fé na revelação direta de Deus ao ser humano idônio é básica e fundamental para os escritores Bíblicos. As teofanias, os antropomorfismos e as conversas entre Deus e o ser humano nas narrativas bíblicas constituem problemas para intérpretes modernos que não entendem a mentalidade dos escritores. Em vez de pôr de lado os antropomorfismos bíblicos, devemos procurar entender os seus efeitos religiosos para os escritores. Estudantes da Bíblia e pessoas de fé persistem em falar do sentimento de Deus, da vista de Deus e da voz de Deus, sem que pensem estar cometendo algum erro. Nota-se também que os seus antropomorfismos os hebreus nunca atribuíram ao Deus de Israel as fraquezas humanas, as rivalidades e as injustiças que os povos contemporâneos viam nos seus deuses. Para o escritor do primeiro capítulo de Gênesis, Deus era transcendente e espiritual, e o ser humano não era réplica física do seu Criador. O escritor expressa antes a sua profunda convicção de que o ser humano, em virtude da criação, tem afinidade espiritual com Deus, e, com ser espiritual, pode gozar comunhão com o seu Criador. A intencidade da pregação do profeta, bem como a sua profunda sensibilidade espiritual, surgia do seu conceito de Deus. A sua mensagem era sempre teocêntrica. Deus é o assunto por excelência da profecia. É a comunhão pessoal do profeta com o Senhor que produz a fé, a coragem e o entendimento da vontade Divina. O profeta se interessava principalmente nos problemas religiosos do seu povo, mas a Palavra do Deus vivo representava para ele o passado, o presente e o futuro. Sendo prático, o profeta tratava de problemas existentes, interpretando e aplicando a Palavra revelada do Senhor às condições políticas e religiosas de seus contemporâneos. Assim a mensagem da justiça Divina, interpretada pelos profetas bíblicos, tem valor eterno e aplicação universal na solução dos problemas da injustiça das gerações sucessivas da humanidade. Há um elemento de intuição na profecia, um característico de todas as religiões. O sentido de responsabilidade, que surge desta intuição religiosa, pede uma resposta completa da personalidade emocional, intelectual. Assim os hebreus, com a sua psicologia, sem qualquer embaraço científico da sua mentalidade, não ficavam perturbados, como os seres humanos modernos, por dúvidas sobre as suas experiências pessoais com Deus. 

2.2. A REVELAÇÃO DE DEUS NAS OBRAS DA CRIAÇÃO   

O Antigo Testamento não faz distinção especial entre a revelação geral ou natural, e a revelação direta aos escritores da Bíblia. Os teólogos têm várias opiniões sobre a revelação de Deus na natureza. A revelação natural não é necessariamente comunicada à humanidade por intermédio de seres humanos inspirados em situações especiais da história, ao passo que a revelação Bíblica é histórica, relacionando-se com uma série de pessoas e eventos históricos. O exército de Israel reconheceu o auxilio Divino na trovoada sobre os filisteus (1Sm 7.10). Não há no hebraico a palavra natureza, mas as obras do mundo físico, segundo os escritores bíblicos, dependem absolutamente de Deus, o seu Criador e Sustentador. Os hebreus não pensavam como nós, nas leis da natureza. As operações no mundo físico, p.ex., eram obras de Deus. O trovão era a voz de Deus. Algumas religiões antigas personificaram o sol, a lua, as estrelas e o vento, e seus adeptos os adoravam. Alguns israelitas caíram nesta forma de idolatria, mas foram condenados (2Rs 17.16). Como o controlador do mundo, Deus usa a natureza para revelar o Seu poder, a Sua sabedoria, a Sua glória e a Sua benignidade. Devido à psicologia dos hebreus, é difícil encontrar no Antigo Testamento qualquer apoio do conceito moderno da revelação natural ou geral, no sentido de que o ser humano, sem qualquer orientação Divina, é capaz de descobrir, nas obras da natureza, provas satisfatórias da existência de Deus. 

2.3. DEUS SE REVELA DIRETAMENTE AOS ESCRITORES BÍBLICOS   

Deus é conhecido, segundo o Antigo Testamento, não porque os seres humanos, nos seus esforços intelectuais, O descobriram, mas somente porque o próprio Deus se revelou. Pessoas de outras religiões falam das comunicações diretas com os deuses e das mensagens que deles receberam e transmitiram ao seu povo, mas é só na Bíblia que se apresenta a revelação no sentido restrito, persistente e coerente que apela cada vez mais poderosamente à razão e à natureza espiritual do ser humano. A fé e a razão caracterizam as experiências humanas, incluindo a religião bíblica, mas o conceito da revelação, no sentido restrito, pertence unicamente à Bíblia. Quanto ao problema de harmonizar a revelação bíblica com o conhecimento racional, queremos explicar de vez a nossa posição. Não temos dúvida nenhuma de que o processo da revelação transcende os poderes racionais do ser humano. Essencialmente a revelação bíblica é a comunicação de conhecimento da Pessoa de Deus. Ora, estas verdades a respeito da Pessoa, da vontade e dos planos de Deus que o ser humano não tem a capacidade de descobrir, mas uma vez comunicadas por Deus, no intercurso com pessoas idôneas, concordam perfeitamente com o conhecimento racional da humanidade. Segundo o conceito bíblico, o ser humano não recebe, no processo da revelação, doutrinas teológicas acerca de Deus, mas recebe conhecimento pessoal do Senhor, da Sua majestade, santidade e glória. Recebe também conhecimento da justiça do Senhor, do Seu propósito e da Sua vontade para com o Seu povo. A essência da revelação bíblica é o intercurso de inteligências. Para os escritores bíblicos, a revelação não era um ensaio filosófico ou uma experiência intelectual. Era uma experiência profundamente religiosa, plenamente confirmada pela inteligência. Para os profetas, a matéria ra revelação não era o conhecimento sobrenatural ou além do entendimento humano, nem mesmo a divulgação de eventos futuros, mas o conhecimento pessoal de Deus. Coisas secundárias acompanham, ou se deduziam da revelação, mas a Pessoa e o propósito do Senhor eram sempre fundamentais. Deus se revela por Suas atividades na vida e na história do Seu povo, escolhido para ser a Sua possessão peculiar dentre todos os povos do mundo. Um fato básico para todos os escritores do Antigo Testamento é a libertação de Israel da escravidão do Egito. O Criador opera, a criatura contempla; o Senhor se apresenta, o ser humano percebe; o Senhor fala, o ser humano ouve; o Senhor se revela, e o ser humano entende algo da Sua majestade, da Sua santidade, da Sua justiça e da Sua glória.

2.4. A REVELAÇÃO DA PESSOA DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO É INCOMPLETA  

Não há em qualquer parte do Antigo Testamento a mínima sugestão de que Deus tenha revelado aos profetas o conhecimento completo da Sua Pessoa. A mensagem de cada um dos escritores era limitada pela capacidade do autor, e pelas circunstâncias do povo da época. Mas todos os mensageiros de Deus concordam na exposição das verdades eternas da revelação Divina. É evidente que apresentaram alguns ensinos de valor temporário para o seu povo contemporâneo, e que têm importância apenas históricas tanto para judeus como para cristãos. Há, todavia, verdades teológicas no Antigo Testamento que Deus revelou progressivamente por intermédio de Seus mensageiros. São estas doutrinas que prendem especialmente o nosso interesse neste estudo. A revelação se fez "em muitas partes e de muitas maneiras". Um profeta, p.ex., estava preparado, mas é claro que nenhum profeta, nem todos juntos puderam dar uma revelação exaustiva da Pessoa de Deus e dos mistérios de todos os Seus propósitos. Ao passo que o Antigo Testamento reconhece claramente a impossibilidade de uma revelação perfeita de Deus ao entendimento limitado do ser humano, não concorda com o conceito filosófico-teológico de que Deus é "completamente outro". Estritamente falando, o Antigo Testamento apresenta um modo de pensar sobre a relação de Deus com a humanidade, antes que uma doutrina formal de Deus. A afinidade espiritual entre Deus e o ser humano é plenamente confirmada pelo descanso do espírito do ser humano na comunhão com o Espírito do Deus Eterno.

2.5. A DISTINÇÃO ENTRE A REVELAÇÃO E A INSPIRAÇÃO   

Como se faz distinção entre a teologia do Antigo Testamento e a história da religião do povo de Israel, assim se faz distinção também entre a revelação e a inspiração. A revelação é obra exclusiva de Deus. É a comunicação do conhecimento da Sua Pessoa, de Seus propósitos e da Sua vontade ao ser humano incapaz de descobrir, pelos poderes do seu próprio intelecto, estas verdades Divinas. É o processo pelo qual Deus se faz conhecido do ser humano. A inspiração é o termo que descreve, no sentido Bíblico, a habitação dos escritores que produziram os livros da Bíblia. A inspiração significa a atuação do Espírito de Deus no espírito dos seres humanos idôneos, escolhidos para receberem e transmitirem as mensagens da revelação Divina. Com o estudo cuidadoso do estilo literário e do assunto dos livros do Antigo Testamento, escritos através de um longo período da história de Israel, torna-se bem claro que a inspiração foi condicionada ou limitada pela experiência, cultura e capacidade intelectual dos escritores, ou pelos seus dons. Deus nã usa pessoas rebeldes, mas usa pessoas retas e boas, como Jeremias, contra a sua preferência pessoal, para receber e transmitir, ao povo rebelde, a mensagem do Senhor, mesmo quando tinham que enfrentar os perigos da perseguição e da morte. Os escritores ficaram habilitados para receber e transmitir tanto da verdade quanto o povo podia entender e aproveitar. 

2.6. A AUTORIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO   

A autoridade do Antigo Testamento é a autoridade da verdade, da verdade moral e religiosa que transcende a esfera científica. Não se pode negar que certas partes de seus livros não têm autoridade universal, mas serviram para orientar o povo do concerto na sua vida no meio de outras nações, no período formativo de treinamento para receber a revelação Divina, livre das influências das supertições e da idolatria dos vizinhos. Mas estas partes do Antigo Testamento tiveram a sua função, e conseguiram a sua finalidade. A lei moral apresentada no Antigo Testamento é tacitamente aceita por todos os povos civilizados do mundo moderno. No ecercício do seu livre arbítrio, o ser humano pode pisar os Dez Mandamentos, mas não pode mudá-los, nem apagá-los da consciência humana. A continuidade, a coerência, a unidade e a harmonia de todas as partes dos ensinos fundamentais do Antigo Testamento, nas várias épocas da história, representam a orientação dos profetas por uma inteligência superior. Ora, a verdade da revelação de Deus nas Escrituras Bíblicas, como a verdade de proposições comuns, deve ser julgada pelo conjunto de todas as provas. Seguindo este modo de julgar, o caráter de Deus apresentado no Antigo Testamento não pode ser explicado, senão de acordo com o próprio testemunho coerente, persistente e unânime de escritores que tiveram a firme convicção de que tinham recebido do Senhor as Suas mensagens.

 

3. A DOUTRINA DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO   

O conhecimento de Deus segundo o Antigo Testamento. Para os escritores do Antigo Testamento não surgiram dúvidas sobre a existência de Deus. Não julgaram necessária a apresentação de argumentos para estabelecer a prova da existência de Deus. O livro de Jó levantou questões sobre a injustiça aparente das operações de Deus na sociedade humana, e especialmente na prova severa da fidelidade do grande sofredor. O livro, porem, em vez de levantar dúvidas sobre a realidade de Deus, apresenta argumentos para provar aos teólogos da época e os incrédulos do mundo que Jó representa as pessoas religiosas que amam e servem desinteressadamente o Senhor da justiça. A declaração do insensato, "não há Deus" (Sl 14.1), significa apenas que Deus não se manifesta. Este insensato representa aquela classe de pessoas que se esquecem de Deus, ou pensam "que a sua iniqüidade não há de ser descoberta" (Sl 36.2). Nas suas múltiplas atividades pecaminosas esquecem-se de Deus, banindo-O de seus pensamentos, como o criminoso se esquece da existência da lei ou espera que seja possível evitar as conseqüências da justiça. Nota-se o contraste entre o ponto de vista dos escritores Bíblicos e o das pessoas modernas. Os cientistas da civilização moderna, com raras exceções, focalizam os seus interesses nos benefícios e nos confortos físicos oferecidos pelo estudo da ciência. Para estes a realidade de Deus é uma questão de pouca importância. Mas até o cientista, despertado pelo fato de "que o ser humano não vive só de pão" (Dt 8.3), pode reconhecer que a sua felicidade depende finalmente da sua relação com o Senhor da vida. Ora, está sendo cada vez mais claramente reconhecida a importância de entender a psicologia dos escritos Bíblicos, a fim de compreender e apreciar o valor dos seus ensinos teológicos. No Antigo Testamento Deus se apresenta nas experiências religiosas das pessoas, e não nas suas especulações filosóficas. Os profetas baseiam todos os seus ensinos na certeza inabalável do conhecimento que Deus lhes transmitiu nas suas comunicações diretas com eles. O Senhor, cuja realidade é plenamente reconhecida pode ser conhecido quando Ele toma a iniciativa nas comunicações com o ser humano, a premissa básica de todos os escritores da Bíblia é que Deus pode ser conhecido. Mas eles ensinam também como Deus pode ser conhecido, reconhecendo sempre que é conhecido à medida que Se revela a Si mesmo nas Suas comunicações aos seres humanos. Os profetas oferecem ensinos importantes não somente sobre a possibilidade de conhecer a Deus, mas também explicam os meios pelos quais Deus tansmite aos seres humanos o conhecimento da Sua Pessoa e da Sua vontade. A certeza de que Deus pode ser conhecido não se refere à questão da existência de Deus, que é sempre reconhecida e nunca em dúvida. As Escrituras pressupõe não somente que Deus pode ser conhecido, mas que realmente é conhecido, porque Ele Se revela a Si mesmo. Ora, Deus não Se revela aos espíritos que não querem conhecê-Lo, mas, na abundância da Sua graça, Ele Se faz conhecido às pessoas sensíveis que almejam receber conhecimento da Pessoa e da vontade do Seu Criador. O conhecimento de Deus revelado aos seres humanos é justamente aQuele que satisfaz à fome da sua natureza espiritual. Este conhecimento de Deus, da parte do ser humano, é o seu intercurso com Deus. É tão real, tão verdadeiro como o seu intercurso pessoal com qualquer outra pessoa. É a qualidade de conhecimento que resulta de relações intelectuais da consciência de uma pessoa com qualquer outra consciência pessoal. A Bíblia não nos explica em que sentido Deus pode ou não ser visto: como pode ou não ser conhecido. Mas é perfeitamente claro que as pessoas do Antigo Testamento entenderam a impossibilidade de conhecer a Deus na glória da Sua transcendência. Porém é o conhecimento da Pessoa de Deus, com o discernimento da parte do conhecedor que o habilita a reconhecer o Criador de todas as coisas, o Senhor dos céus e da terra. Para os hebreus o conhecimento de Deus não era a especulação sobre o Ser Eterno ou o principio transcendente, mas era o reconhecimento e o entendimento do Senhor, que atua sabiamente, com plano e propósitos, e exige obediência aos Seus mandamentos por causa da Sua própria natureza, como o Santo de Israel (Dt 11.2-7; Is 41.20). 

3.1. O NOME DE DEUS   

No mundo antigo o nome de uma pessoa usava-se não somente para distingui-la de outras pessoas, mas também para indicar ou descrever a sua própria natureza. Os hebreus, como os seus vizinhos, tinham este conceito do significado do nome. Quando uma pessoa tinha uma nova experiência de significação especial ele recebia um novo nome. Assim Abrão recebeu o novo nome Abraão, e Jacó recebeu o nome Israel. Entre os politeístas o nome de qualquer um de seus deuses expressava o seu caráter, o seu poder especial, ou o grau e a função da sua divindade em relação com os outros deuses. Usa-se freqüentemente no Antigo Testamento a frase "o nome do Senhor" ou "o nome de Deus" "Em todo lugar em que Eu fizer lembrado o Meu Nome, virei ter contigo e te abençoarei". Refere-se freqüentemente ao santuário, o lugar do culto, onde habita o Nome do Senhor. A bênção sacerdotal é mais do que uma prece a Deus em favor de Israel. É um meio de comunicar ao povo o poder ou a influência do Nome do Senhor "Assim, porão o Meu Nome sobre os filhos de Israel, e Eu os abençoarei" (Nm 6.27). Usa-se também "o nome de Javé" para indicar o próprio Senhor. "... em Ti se gloriem os que amam o Teu Nome" (Sl 5.11). "... cantarei louvores ao Nome do Senhor Altíssimo" (Sl 7.17). "Os que conecem o Teu Nome confiam em Ti" (Sl 9.10). "O Nome do Senhor" associa-se também com o conceito da soberania e da glória de Deus. Os trabalhos e os objetivos do ser humano devem ficar subordinados à vontade do Senhor, porque a Sua vontade é superior aos maiores interesses humanos. A sabedoria do Senhor é absoluta, e a Sua vontade não se limita apenas ao ser humano. A Bíblia põe em relevo de Deus. O fim principal do ser humano é glorificar a Deus, exaltando e santificando o Seu Nome. "Mas deveras esta é a razão porque te poupei, para te mostrar o Meu poder, e para que o Meu Nome seja anunciado em toda a terra" (Êx 9.6). No Antigo Testamento, como também no Novo Testamento, "a santificação do Nome do Senhor" acompanha o progresso do reino de Deus no mundo. Por outro lado, a idolatria profana o Nome de Deus (Lv 18.21). Nos Salmos e na profecia de Ezequiel encontra-se freqüentemente a frase "por amor do Meu Nome". Em alguns destes lugares o escritor está pensando no Senhor como o único Deus. Mas o Senhor é conhecido pelas nações apenas como o Deus de Israel que libertou o Seu povo da escravidão do Egito, ministrou as suas necessidades no deserto, e o conduziu à terra que tinha prometido por juramento aos pais. Assim o único Deus é conhecido entre as nações como um dos deuses nacionais. Ora, é o propósito do Senhor, "por amor do Seu Nome", revela-se a todas as nações do mundo como o único e o verdadeiro Deus. 

3.2. OS NOMES PARTICULARES DE DEUS   

O conceito de Deus, sem dúvida nenhuma, é o mais acentuado e o mais importante no Antigo Testamento. O termo Nome fere-se principalmente à natureza de Deus, ou, para usar uma palavra moderna, à personalidade de Deus, no sentimento do conjunto de Seus característicos ou atributos distintivos. Encontra-se no Antigo Testamento muitos termos usados como Nomes de Deus, de acordo com o estilo dos escritores, em parte, e com variações nas épocas diferentes da história. Os teólogos têm escrito muito sobre a origem e a significação dos Nomes particulares de Deus. Não podemos deixar de reconhecer a importância correta destes para o estudante da teologia, mas são interpretados, às vezes para apoiar ou reforçar certas interpretações prediletas dos teólogos. Os nomes "Elohim, Javé e Yahweh" são os nomes mais usados pelos escritores bíblicos. `Elohim` é o nome mais usado no Antigo Testamento para expressar o conceito de divindade. Usa-se Elohim como o nome do Criador de todas as coisas. Quando se refere às relações do Senhor com as nações, ou às Suas relações cósmicas, usa-se em quase todas as partes do Antigo Testamento o nome Elohim. Mas quando se trata das relações do Senhor com o povo de Israel, ou quando se refere às atividades do Senhor na história deste povo do seu conserto, usa-se o nome `Javé`. Entre os povos semíticos o nome de antigüidade remota de Deus é "El". Segundo a opinião de muitos, a palavra deriva-se de uma raiz que significa "ser forte, poderoso". 

3.3. O NOME ESPECIAL DE DEUS JAVÉ  

Mas o nome especial do Deus de Israel é JAVÉ. Baseando-se na associação de Javé com trovões e relâmpagos (Êx 19.16; 20.18; 1Rs 18.38; Jó 37.5; Am 1.2; Sl 18.14), alguns julgam que Ele era o Deus do firmamento. Convém notar, porém, que estes trechos descritivos podem ser poéticos ou figurativos. Os inimigos de Israel, que os seus deuses eram "deuses dos montes" (1Rs 20.23). Mas Javé manifestava-se também no fogo, no vegetal (Êx 3.2). Falou com Elias, não no vento, nem no terremoto, nem no fogo, mas na voz `mansa e delicada` (1Rs 19.12). Há uma teoria de que Javé tinha recebido culto da parte dos queneus antes que se revelasse a Moisés na sarsa ardente. O sogro de Moisés era queneu. Eruditos modernos levantam dúvidas sobre a origem e o significado do nome, segundo (Êx 3.14), onde o escritor liga o nome com o verbo hebraico hava, haver. O substantivo Jeveh, formado da primeira pessoa do singular do imperfeito do verbo ser, siguinifica: eu sou. Assim o Senhor disse a Moisés: "Eu Sou o que Sou". É claro que os israelitas não puderam usar esta forma do nome, derivado da primeira pessoa do verbo. Então disse Deus a Mosés: "Assim dirás aos filhos de Israel: Javeh, Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vós; este é o Meu nome eternamente, e este é o Meu memorial de geração em geração" (Êx 3.15). Todos os estudantes do assunto reconhecem agora que "Jeová" não pode ser a pronúncia certa do tetragrama  JHVH. A palavra Jeová resultou no uso das vogais de "Adobai" (Senhor) com as quatro consoantes do nome sagrado, e foi introduzita no tempo da reforma, cerca de 1520. Não se sabe como foi pronunciado antes do tempo, quando os israelitas, por reverência deixaram de mencionar o nome inefável. A opinião de que era pronunciado YAHWEH (Javé em português) prevaleceu, e este é o termo geralmente usado pelos teólogos modernos. Quando os israelitas deixaram de pronunciar o nome indizível JHVH, eles o substituíram pelo nome ADONAI, (Senhor). A Septuaginta traduziu as quatro letras místicas com as vogais de ADONAI por KÚRIOS. E quase todas as versões modernas da Bíblia, nas muitas línguas, traduzem o nome do Deus de Israel pelo termo que significa SENHOR. 

3.4. O ESPÍRITO DE DEUS   

A palavra "ruah" (vento, espírito) é empregada no Antigo Testamento de tantas maneiras que é difícil analisar os seus vários sentidos. Aqui a discussão é limitada principalmente ao estudo do Espírito de Deus. Quando a palavra `vento` é geralmente sinônomo de poder. Significa também respiração violenta pelo nariz ou pela boca. Mas a frase `diverê-ruah` significa `palavras de vento` (Jó 16.3). O conceito do Espírito do Senhor aparentemente passou por um processo de desenvolvimento no Antigo Testamento. A palavra `ruah` usa-se no sentido do poder, da vida e do Espírito de Deus. Diz Davi, no seu cântico de louvor: "Então apareceram as profundezas do mar, descobriram-se os fundamentos do mundo, pela repreensão do Senhor" (2Sm 22.16). O `Ruah-Javé` inspira e controla os profetas. O que habilitou o profeta Ezequiel para falar a palavra profética foi o Espírito do Senhor. É geralmente o Espírito do Senhor (Javé) que inspira e orienta os profetas, mas em (2Cr 15.1; 24.20) é o Espírito de Deus que veio sobre Azarias; o Espírito de Deus que se apoderou do profeta Zacarias. Neemias 9.30 usa a frase `teu Espírito`, e `teu bom Espírito` (9.20). Ajudados pelo Espírito do Senhor, as pessoas ficaram habilitadas para fazer a vontade de Deus, às vezes contra a sua própria preferência, do cabelo, e em parte ao poder do Senhor. A melancolia de Saul resultou da vinda do Espírito de Deus sobre ele (1Sm 16.23). Devemos lembrar que houve um período quando os hebreus ainda se achavam sob influência de crenças religiosas de seus vizinhos, especialmente no período dos Juízes, e por algum tempo no período da monarquia. São os grandes profetas que se livraram destas influências. Segundo, os hebreus atribuíam a Deus tudo que acontecia. Parece que devido a este modo de pensar é que julgaram necessário atribuir ao Senhor o arrependimento de certas escolhas ou atos que não produziram os resultados almejados, como, p.ex., a escolha de Saul (1Sm 15.11). Terceiro, em todos os tempos Deus tem que dirigir as Suas atividades na história por intermédio de pessoas limitadas no entendimento da Sua vontade. "Pois o Senhor é o nosso Juiz; o Senhor é o nosso Legislador; o Senhor é o nosso Rei; Ele nos salvará" (Is 33.22). O Espírito do Senhor designou e ajudou os Juízes no cumprimento da sua missão; levantou nazireus e outras pessoas para prestarem serviços especiais no desenvolvimento de Israel; vocacionou e inspirou profetas para ensinar, orientar e dirigir o povo de Israel no desempenho da sua incumbência de acordo com a eleição, o conceito do Sinai e o plano predeterminado do Senhor. E fez tudo isto apesar do egoísmo, da obstinação e da rebeldia da maior parte do povo contra a vontade revelada do Senhor. O Espírito do Senhor representa a Sua energia vital e poderosa em todas as Suas atividades. Refere-se às vezes ao propósito ou o plano de Deus.

3.5. ATIVIDADES DO ESPÍRITO DE DEUS   

O Antigo Testamento não trata de causas secundárias. Em todas as Suas atividades, Deus atua diretamente e não por intermédio de causas secundárias. Até as atividades de Seus agentes humanos são reconhecidas como a atuação do próprio Senhor. É Deus quem governa todos os movimentos da história, incluindo as vicissitudes na vida das nações e até na vida dos seres humanos. Nos dias críticos do cativeiro de muitos israelitas na Babilônia, o mensageiro de Deus reconheceu o levantamento de Ciro como a manifestação da grandeza do Senhor na direção da história humana. Foi Deus quem chamou Ciro e o incumbiu da restauração dos cativos judeus para o cumprimento da sua missão que visava o futuro do reino universal do Senhor. Na obra de criação o Espírito de Deus movia-se sobre a face das águas, no processo de transformar o caos na ordem cósmica, segundo o propósito do Senhor. São raras as referências à operação do Espírito de Deus no mundo material, mas são significantes na representação do poder soberano do Senhor (Jó 26.13; Is 40.7; Ez 37.9). O Espírito de Deus opera a fim de dar ao ser humano a vitalidade e a força. "O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem se tornou um ser vivente" (Gn 2.7). A imagem do fôlego "neshama" nos declara que Deus é a fonte da vida. É a presença do Espírito de Deus no ser humano que produz e sustenta a vida. Jó declara: "O Espírito de Deus está nas minha narinas" (Jó 27.3). Diz Eliú: "O Espírito de Deus me fez, e o fôlego do Todo-poderoso me dá vida" (Jó 33.4). O espírito do ser humano lhe é transmitido pelo Espírito de Deus, a fonte da vida; e quando Deus lhe tira o espírito, o ser humano morre. E o espírito vai para o lugar dos mortos. O Espírito de Deus opera de uma maneira excepcional na vida das pessoas. "Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espítito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor" (Is 11.2). "Eis o Meu servo a quem sustenho; o Meu escolhido no qual a Minha Pessoa se agrada. Tenho posto sobre ele o Meu Espírito, ele trará justiça às nações" (Is 42.1). O Espírito do Senhor é o próprio Senhor em atividade.