Título: Teologia do Antigo Testamento - Vol. 2
4. A ESSÊNCIA E OS ATRIBUTOS NATURAIS DE DEUS
Não encontramos no Antigo Testamento qualquer declaração que defina a essência do Senhor. Mas o Novo Testamento ensina diretamente, que: Deus é Espírito. A declaração de Jesus: "Deus é Espírito, e importa que os que O adoram, O adorem em espírito e em verdade". Concorda perfeitamente com o pensamento dos profetas do Antigo Testamento. A Espiritualidade de Deus é subentendida, é verdade básica, em todas as experiências religiosas dos hebreus com Ele (Is 31.3). Em Êxodo (20.4), é proibido a representação do Senhor por qualquer material. Na narrativa da criação do ser humano, em (Gn 2.7), é declarado que o seu corpo foi formado da terra, mas que a sua vida espiritual veio de Deus. O escritor assim entendeu claramente que o Deus espiritual é a fonte da vida. O salmista descrevendo a sua experiência espiritual com Deus, declara: "Para onde me itrei do Teu Espírito? Ou para onde fugirei da Tua presença? Se eu subir aos céus, ali estás; se fizer no sheol a minha cama, eis que estas ali. Se eu tomar as asas da alva, e habitar nas extremidades do mar, ainda ali me guiará a Tua mão, e a Tua destra me susterá" (Sl 139.7-10).
4.1. A ESSÊNCIA DE SEUS
A presença do Espírito de Deus é a presença dEle mesmo. Tudo que Deus é, e tudo que possa significar para o ser humano, é representado pelo ministério do Seu Espírito que é vida e poder. É o Espírito de Deus, operando no espírito do ser humano do Antigo Testamento, como no espírito do cristão do Novo Testamento, que produz a vida de justiça, retidão, felicidade, e paz. Qualquer conhecimento que o hebreu tenha recebido dos atributos de Deus foi-lhe comunicado diretamente do intercurso do seu espírito com o Espírito Supremo, o Senhor Deus de Israel. "Cria em mim, ó Deus um sentimento limpo, e renova dentro de mim um espírito estável. Não me lances fora da Tua presença, e não tires de mim o Teu Espírito. Restitui-me a alegria da Tua salvação, e sustém-me com um espírito voluntário. Então ensinarei aos transgressores os Teus caminhos, e pecadores se converterão a Ti" (Sl 51.10-13).
4.2. O DEUS VIVO
O Deus Espiritual da Bíblia apresenta-se também como o Deus Vivo. O conceito Bíblico do caráter de Deus tem muitos elementos claramente apresentados em todos os livros do Antigo Testamento, especialmente nas obras dos profetas. Nos ensinos religiosos dirigidos ao povo de Israel, em todas as épocas da sua história, desde Moisés até Malaquias, os profetas falaram do Senhor de Israel como o Deus Vivo. Deus tem características semelhantes aos nossos, mas são infinitamente superiores. É um instinto verdadeiro no ser humano que atribui a Deus os característicos da personalidade, pois é na sua natureza pessoal que o ser humano leva a imagem Divina. Encontra-se o conceito do Deus Vivo em todas as partes da revelação Divina. Subentende-se a idéia em todas as atividades de Deus. Ele é a fonte de todas as formas de vida. Criou todos os seres viventes segundo as suas espécies. A vida pessoal conhecida ao ser humano testifica poderosamente da existência do Deus Vivo. Temos falado, em outros lugares, sobre as atividades de Deus na história. Todos estes atos são de Deus Vivo. As manifestação do Seu poder entre os seres humanos são provas de que Ele é o Deus Vivo. "Disse Josué: Nisto conheceis que o Deus Vivo está entre vós, que sem falta expulsará diante de vós os cananeus" (Js 3.10). Este livramento de Israel do poder do inimigo que ameaçava exterminá-lo é uma das numerosas demonstrações históricas de que o Santo de Israel é o Deus Vivo. É o Deus Vivo que liberta, escolhe e dirige o povo de Israel como nação sacerdotal, de acordo com os princípios da justiça Divina, no cumprimento da missão de transmitir aos povos do mundo as verdades e os propósitos eternos do reino universal do Rei dos reis, e Senhor dos senhores. O Deus Vivo revela a Sua sabedoria inescrutável pela disciplina do povo quando está revoltoso pelo socorro quando está em perigo, pelo conforto quando está abatido, e sempre pela orientação profética, com demonstrações do Seu amor imutável. "Ó Senhor dos exércitos, Deus de Israel assentado sobre querubins, Tu, só Tu, és o Rei de todos os reinos da terra; Tu fizeste o céu e a terra. Inclina, ó Senhor, o Teu ouvido e houve; abre, ó Senhor, os Teus olhos e vê. Ouve todas as palavras de Senaqueribe, as quais ele mandou para afrontar o Deus Vivo. Verdade é, Senhor, que os reis da Assíria têm assolado todas as nações e suas terras, e têm lançado no fogo os seus deuses, pois deuses não eram, senão obra de mãos de homens, madeira e pedra; por isso os destruíram. Agora, Javé, nosso Deus, salva-nos da sua mão, para que todos os reinos da terra saivam que Tu, só Tu, és o Senhor" (Is 37.15-20). Depois de fazer esta oração, Ezequias recebeu uma mensagem do Deus Vivo, pelo profeta Isaias: "Assim diz o Senhor, Deus de Israel: portanto Me fizeste a tua súplica consernente a Senaqueribe, rei da Assíria, esta é a palavra que o Senhor falou a respeito dele: a filha de Sião te despreza e te escarnece! A filha de Jerusalém meneia a cabeça por detrás de ti. A quem afrontaste, e de quem blasfemaste? Contra quem levantaste a tua voz, e ergueste os teus olhos ao alto? Contra o Salmo de Israel! Eu conheço o teu assentar, o teu sair e o teu entrar, e o teu furor contra Mim. Por causa da tua raiva contra Mim, e porque a tua arrogância subiu aos Meus ouvidos, portanto, porei o Meu anzol no teu nariz, e o Meu freio nos teus beiços, e te farei voltar no caminho pelo qual vieste" (Is 37.22,23,28,29). Assim Deus respondeu à oração de Ezequias e a fé de Isaías, e salvou o Seu povo do genocídio às mãos da Assíria. Os santos do Antigo Testamento regozijaram-se na comunhão espiritual com o Deus Vivo. Em contraste com os ídolos imponentes, o Deus de Israel é o Deus Vivo. "A fonte das águas vivas (Jr 2.13). Quando o salmista se achava abatido de desalentado, o seu espírito suspirava por Deus. Este nome, "O Deus Vivo", significa mais do que um contraste com os deuses das nações. Explica a razão dos desejos ardentes das pessoas, de Deus. Nada mais do que a Pessoa Suprema pode satisfazer à fome e à sede do espírito do ser humano, que fica desassossegado até que descanse em Deus. O regozijo do salmista é característico das experiências das pessoas em comunhão com Deus. "Quão amáveis são os Teus tabernáculos, ó Senhor ods exércitos! A minha alma almeja, sim, desfalece pelos átrios do Senhor, o meu espírito e o meu corpo cantam de alegria ao Deus Vivo" (Sl 84.1,2). O Deus Vivo, Criador dos céus e da terra, tem poder de salvar, ao passo que os ídolos, feitos pelas mãos humanas, não têm poder nenhum. Os profetas falsos pervertem a palavra do Deus Vivo (Jr 23.36), e trazem sobre si "o apróbrio sempiterno, e a perpétua vergonha que jamais será esquecida" (Jr 23.40). Há no Antigo Testamento numerosas repetições do juramento solene dos israelitas: "como vive o Senhor". É uma súplica para que o Senhor Vivo estabeleça o compromisso ou castigue a quem profanar o nome sagrado pela violação do juramento. O Deus Vivo, como conceito Bíblico é compreensivo e frutífero no estudo da teologia. O Deus Vivo é a fonte da vida, Criador de todas as formas de vidas, das plantas e dos animais, bem como da vida dos seres humanos.
4.3. O DEUS VIVO É O DEUS ETERNO
Alguns teólogos pensam que na versão inglesa da Bíblia, houve erro em traduzir o nome "Javé, por Eterno". Não há dúvidas de que Javé, o Deus Vivo, é o Deus Eterno. Os escritores Bíblicos não pensavam em termos teológicos, mas das suas experiências com Deus. O conceito da eternidade de Deus subentende-se em toda parte da Bíblia. Como o Deus Vivo, a Fonte e o Criador de todas as coisas e formas de vidas, o Senhor não teve principio, e nunca terá fim. A existência própria de Deus subentende-se no nome Javé, "Eu Sou". A essência de Deus, tudo que Ele é em Si mesmo, é o Ser não causado. Jeremias entendeu isso quando disse que o Deus Vivo "é o Rei sempiterno" (10.10). No seu louvor a Deus, o salmista declara: "Senhor, Tu tens sido a nossa morada de geração em geração. Antes que nascessem os montes ou que tivesses formado a terra e o mundo, sim, de eternidade à eternidade Tu é Deus" (Sl 90.1,2). O Antigo Testamento apresenta o Senhor como Criador do mundo e como o dirigente da história da humanidade indica, pelo menos, que ele é supratemporal. Se os escritores Bíblicos não fazem especulações filosóficas sobre a eternidade de Deus, é porque eles se interessavam principalmente nas relações de Deus com o ser humano e com o mundo. Entenderam perfeitamente que a experiência de Deus não é contigente, ou depende de qualquer causa anterior. Na mensagem de conforto para os cativos da Babilônia, o profeta apresenta-lhe a eternidade do Senhor: "vós sois as Minhas testemunhas, diz o Senhor, e o Meu servo a quem escolhi, para que saibais, e Me creais, e entendais que Eu Sou o Senhor. Antes de Mim não se formou deus nenhum, e depois de Mim nenhum haverá. Eu, Eu Sou o Senhor; e fora de Mim não há salvador" (Is 43.10,11). "Eu Sou o primeiro e Eu Sou o último" (Is 44.6). "O Deus da antigüidade é um refúgio. E por baixo estão os braços eternos" (Dt 33.27).
4.4. O DEUS VIVO É IMUTÁVEL
A imutabilidade de Deus não significa uniformidade fixa nas atividades do Senhor na história. Na Sua perfeita justiça, e na Sua infinita sabedoria, Ele vê e entende perfeitamente, em contraste com as limitações das faculdades humanas. A justiça de Deus, p.ex., opera no amboente cpmplicado das injustiças humanas. Se poupa a cidade de Jerusalém no tempo de Isaías, e permite a sua destruição no tempo de Jeremias, é porque as condições espirituais do povo de Jerusalém mudaram-se, enquanto a justiça de Deus permanecia imutável. Os casos do "arrependimento de Deus" são antropopatias, ou atribuições de sentimentos humanos a Deus. Como os antropomorfismos ficam esclarecidos à luz dos ensinos Bíblicos sobre a espiritualidade de Deus, assim as antropopatias se entendem à luz das Escrituras, que ensinam a imutabilidade de Deus, e à luz da psicologia dos israelitas. O amor de Deus adapta-se às circunstâncias e à vontade do Seu povo. O ser humano tem a liberdade, que lhe é divinamente concedida, de desprezar o amor de Deus e de rejeitar a revelação Divina da vontade do Senhor. Mas os atributos de Deus, incluindo o amor, não mudam. O amor e a justiça Divina operam eternamente de acordo com as condições morais das gerações sucessivas, que mudam segundo as influências do ambiente social, enquanto estes atributos naturais de Deus permanecem imutáveis. Podemos entender melhor a imutabilidade de Deus lembrando o grau da fidelidade de profetas como Isaias, Jeremias e de todas as pessoas dedicadas e fiéis no esforço de seguir a vontade revelada de Deus. Quanto mais firme é a imutabilidade do Senhor no exercício do Seu amor e justiça. Aparentemente Jacó venceu na sua luta com o anjo de Deus, mas realmente foi o Senhor quem venceu na Sua luta prolongada com Jacó. Esta vitória de Deus é típica do triunfo do Seu amor imutável na regeneração dos pecadores. A imutabilidade do Senhor não se confunde com a inatividade. A criação, os milagres, a encarnação, a atividade do Espírito de Deus na consciência dos seres humanos são atividades de Deus que concordam perfeitamente com a sua natureza. Reconhecemos a imutabilidade do Senhor quando cantamos: "Ao Deus de Abraão louvai, do vasto céu Senhor, Eterno e poderoso Pai, o Deus de amor".
4.5. O CONHECIMENTO DO DEUS VIVO
O conhecimento é característico que quase todos os escritores da Bíblia atribuem ao Criador. A criação é a obra que revela a suprema sabedoria de Deus. "O Senhor por sabedoria fundou a terra, pelo entendimento estabeleceu os céus" (Pv 3.19). Esta idéia repete-se muitas vezes na literatura de sabedoria, nos Salmos e nas profecias. Segundo a linha poética de Proverbios (8.22-31), Deus possui antes de fazer as Suas obras da antigüidade, antes de fazer a terra e antes de estabelecer os céus, sim, desde a eternidade. Assim também na poesia de Jó, (28.23-29), Deus é o único que entende perfeitamente a sabedoria. Deus revela a Sua sabedoria na finalidade da criação. "Não a criou para ser um caos, mas formou-a para ser habitada" (Is 45.18). Assim a criação seguiu o plano preconcebido pelo Senhor. Todas as evidências de desígno na natureza e no ser humano testificam da sabedoria do Senhor. O Deus que vê (Gn 16.13), plantou o ouvido para ouvir, e formou o olho para ver (Sl 94.9). Olhando do céu, o Senhor vê todos os habitantes do mundo e observa todas as suas obras (Sl 33.13-15). O Senhor dirige a história de Israel, fazendo promessas aos Seus servos Abraão, Jacó, Moisés, Davi e muitos outros; promessas que se cumprem fielmente séculos depois. Escolheu Israel para servir ao Seu plano de fundar e estender o Seu reino entre todos os povos do mundo. Sabe dirigir a história das nações hostis para conseguir os Seus planos. "É meu Pastor, e cumprirá todo o meu propósito". Deus conhece também o futuro, e, na controvérsia com os ídolos (Is 41.21,22), este fato é reconhecido como prova da Sua divindade. O Salmista fica encantado com este sentido da presença do Senhor com ele, e não pode deixar de pensar neste maravilhoso conhecimento de Seus pensamentos. "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu sentimento! Prova-me, e conhece os meus pensamentos! Vê se há em mim algum caminho perverso, e guia-me pelo caminho eterno" (Sl 139.23,24).
4.6. O PODER DO DEUS VIVO
As atividades do Senhor testificam do Seu poder, bem como da Sua sabedoria. Os israelitas experimentaram a operação do poder do Senhor na sua vida pessoal, na vida das suas famílias e na sua vida nacional. Em todos os períodos do Antigo Testamento, a majestade Divina despertou no ser humano o temos do Senhor, que é sempre o princípio da sabedoria. O profeta Isaías sentiu-se perdido quando, na sua visão da santidade e majestade do Senhor, compreendeu o significado da glória de Deus em relação com o povo pecaminoso de Israel. A salvação de Israel do poder do Egito, com o triunfo sobre tantas forças poderosas da natureza, foi uma demonstração do poder do Senhor que tem sido lembrado e comemorado através de toda a história de Israel. Um dos exemplos mais significativos do poder de Deus na vida de Israel é a vitória no conflito com o baalismo, juntamente com os ensinos dos profetas de que Javé é o único Deus, o dirigente e o controlador da história humana. O escritor de Jó reconhece o Senhor como o controlador de todas as forças da natureza e da vida do ser humano. "Eis que estas coisas são apenas as orlas do Seu caminho; e quão pequeno é o sussurro que dele ouvimos! Mas o trovão do Teu poder, quem O poderá atender?" (Jó 26.14). O Senhor é soberano na natureza, e na autoridade sobre as nações e os povos do mundo. O que se pode dizer, então, sobre os deuses dos caldeus? O profeta descreve o cuidado e a destreza do carpinteiro e o ourives na fábrica de ídolos, de imagens esculpidas. Da árvore escolhida, o trabalhador toma lenha para queimar, e com isso se aquenta e coze o pão. De madeira da mesma árvore, ele faz uma imagem esculpida, e prosta-se diante dela com reverência e adoração. Presta culto ao ídolo que não tem vida, nem poder de salvar-se a si mesmo na crise. Na universidade da sua soberania, o Senhor domina a natureza, os seres humanos e as nações, fazendo com que todos sirvam os seus planos.
4.7. O DEUS CRIADOR
A doutrina da Criação apresenta-se no Antigo Testamento, especialmente em Isaías, como parte integrante da revelação do poder de Deus. Sem pensar em oferecer uma exposição teológica, o profeta apresenta discussões sobre as maravilhas da criação, da sabedoria e do poder imensurável do Senhor, para confortar o Seu povo desanimado, fortalecer a sua fé e levá-lo ao arrependimento e restabelecimento da comunhão com Deus, no preparo para a restauração do cativeiro. O profeta não pensa em fazer uma exposição científica da criação, mas discute a sua importância do ponto de vista da religião, declarando que o mundo não foi criado como caos, mas para ser habitado (Is 45.18). Os ensinos do Antigo Testamento sobre Deus como Criador do universo constituem uma parte indispensávem da teologia Bíblica. Deus se apresenta como inteiramente independente da Sua obra da criação. Quando disse: "haja luz, e houve luz", Deus revela que, como Criador, Ele transcende à luz criada, como também a todos os limites do poder humano. Todos os passos no processo da criação revelam que o plano e o propósito de cada coisa criada foram preconcebidos por Deus antes de dar ordem para que ela aparecesse. Em Isaías 40 e 45, o profeta trata da soberania de Javé, em contraste com a importância absoluta dos ídolos dos babilônios. Esta soberania do Senhor na ordem natural e sovial é a base da confiança do profeta de que Deus há de cumprir o Seu propósito na escolha de Israel. O mesmo poder que criou o universo é também o poder que criou o ser humano. O mesmo poder que dirige o mundo físico dirige também o ser humano. A diferença está no mundo inanimado e o ser humano criado à imagem de Deus, com a prerrogativa de exercer a Sua prória vontade até o ponto de impedir, em parte pelo menos, a direção Divina. Os babilônios tinham que carregar os seus deuses, mas o Senhor carregava o Seu povo. Os caldeus carregavam os seus deuses nas costas dos animais; o Senhor carrega o Seu povo, elevando e dirigindo o seu desejo e a sua vontade. Pela criação Deus revela atributos da Sua natureza e a Sua relação com o mundo físico e com a humanidade. Nem o universo, nem o ser humano, é suficiente por si. Mas Deus reconhece o lugar singular do ser humano na criação (Gn 1.26). E o mundo é preservado e dirigido por Deus para o bem-estar da humanidade e a glória Divina. "Enquanto durar a terra, sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite, não cessarão" (Gn 8.22). Os escritores Bíblicos não se interessavam na ciência da cosmologia, mas para eles a criação era de profunda importância no entendimento da relação do ser humano com o mundo físico, e especialmente com o Criador.
4.8. DEUS É SOMENTE UM
Não se levantam dúvidas sobre a realidade e a personalidade de Deus entre os autores do Antigo Testamento. A religião primitiva dos hebreus evidentemente aceitava algumas das crenças, e tinha outros característicos da religião de semitas que eram politeístas. É difícil determinar quando os escritores chegaram a crer que o seu Deus, Javé, era o único Deus. O redator final de Gênesis pensou que Abraão rompeu definitivamente com o politeísmo dos semitas. Entre os povos semíticos, a significação fundamental do nome do seu deus, "Elohim", era `poder`. Ora, na época patriarcal dos hebreus, o nome de Deus, "El Shaddai", o Todo-poderoso, aparentemente indica a exclusão de outros poderes e o conceito de um só Deus. A idolatria, a imoralidade e a injustiça mostram o lado negativo da influência da religião na época patriarcal, como nos tempos modernos, enquanto o desenvolvimento da fé e do caráter de Abraão, Isaque, Jacó e José, serve de exemplo do novo poder da religião, que resultou do novo conceito de Deus como o Todo-poderoso. Mais tarde os israelitas, depois de experimentar a crueldade da escravidão, e logo em seguida receber do Senhor a liberdade, sabiam que esta fortaleza que era Deus não era uma força qualquer, mas um poder peculiar, único, supremo. Esta nova experiência religiosa do povo de Israel era tão miraculosa que produziu resultados que não se explicam como apenas um novo passo no desenvolvimento da sua fé. Foi uma revelação tão maravilhosa da misericórdia e do poder de Javé que resultou no principio de uma nação, um concerto solene com o seu Deus, a aceitação dos Dez Mandamentos, e leis cerimoniais designadas para manter a sua separação de outros povos a fim de desempenhar-se da sua vocação como o povo sacerdotal do Senhor.
4.9. A PERSONALIDADE DE DEUS
Muitas das citações Bíblicas sobre outros atributos de Deus falam também da Sua Pessoa. Deus é Vivo, poderoso, sábio e ativo: tem propósitos e planos. A Bíblia menciona os atributos de Deus na discussão das suas relações com o mundo físico e com a humanidade, mas não os descreve sistematicamente. Os escritores inspirados percebem que Deus tem os atributos que caracterizam as pessoas humanas, e que os tem em medida suprema, sem as imperfeições humanas. Deus, como Pessoa, tem outros atributos pessoais que não pertencem ao ser humano. O atributo de Deus é mais distintivo e mais acentuado no Antigo Testamento é a Sua personalidade. Qualquer identificação de Deus com as forças operativas no mundo físico é um desvio radical dos ensinos do Antigo Testamento. Não se encontra em qualquer parte da Bíblia o Deus que se manifesta somente através das forças da natureza. Os antropomorfismos põem tanta ênfase na personalidade de Deus que alguns teólogos pensam que isto infringiu outros atributos do verdadeiro Deus, como a transcendência e a espiritualidade do Senhor. Todos os livros da Bíblia ensinam a direção própria e a determinação racional do Senhor. Deus dirigiu a história do Seu povo desde a escolha de Abraão, através de todas as crises, até o desempenho da Sua missão sacerdotal, de acordo com o Seu plano predeterminado e conseguido pela força da Sua vontade. O Deus Vivo, que escolheu a Israel com um propósito em mira, sempre exigiu que Ele praticasse a justiça e a misericórdia.
5. OS ATRIBUTOS REDENTORES DE DEUS
Pensando na santidade, na justiça e no amor do Senhor como atributos redentores. A verdade é que o âmago da teologia Bíblica se encerra no sentido destas palavras nas Escrituras do Antigo Testamento. Estudantes do Antigo Testamento, vêm fazendo progresso no estudo do hebraico, à luz do novo conhecimento de outras línguas semíticas, como também no estudo da religião Bíblica, à luz dos novos conhecimentos das religiões contemporâneas. Convém fazermos um estudo do desenvolvimento das palavras hebraicas que descrevem o caráter de Deus, lembrando que Deus é Um, e que há perfeita harmonia em todos os seus atributos. O estudo desses termos nos ajuda no entendimento mais claro dos ensinos Bíblicos sobre os propósitos e atividades do Senhor na redenção da humanidade.
5.1. A SANTIDADE DE DEUS
Não há outra palavra que, no seu pleno sentimento Bíblico, descreva mais perfeitamente a natureza de Deus do que o termo "santidade". Como as palavras que tratam das experiências importantes da vida, a palavra desenvolveu o sentido distintivamente Bíblico dentro do Antigo Testamento. A palavra tem sido usada na língua popular desde o período mais antigo da história dos hebreus, e não há certeza quanto à sua origem etimológica. Era usada entre os povos semíticos antes da origem histórica dos hebreus. A explicação etimológica de palavras usadas por muito tempo, em várias línguas, serve apenas como guia geral no estudo do seu significado nos períodos sucessivos do seu desenvolvimento histórico.
5.2. IDÉIAS PRIMITIVAS DE SANTIDADE
A história do conceito de santidade é longa e complicada, variando na sua significação entre as nações antigas. Originalmente a santificação não tinha qualquer significação moral. Entre os hebreus a santidade se referia primeiramente aos característicos da Divindade que se separa de tudo que é comum, tudo que é do mundo físico ou da humanidade. Com esta idéia de separção de Deus, o termo "santo" aplicava-se às coisas e às pessoas separadas para o Senhor. Na religião dos hebreus a diferênça entre o ser humano e Deus ficava cada vez mais claramente apreendida. Embora influenciados pelas cerimônias religiosas de seus visinhos, os hebreus progrediam na distinção entre o sagrado e o secular. Com proibições e leis cerimoniais, eles governam a vida religiosa do povo santo, ou separado, no esforço de orientá-lo no cumprimento das responsabilidades sagradas e seculares.
5.3. A SANTIDADE DE JAVÉ, O DEUS DE ISRAEL
Havendo examinado como os semitas em geral tiveram por algum tempo o mesmo conceito de santidade de seus deuses, podemos agora esclarecer melhor o desenvolvimento distintivo da santidade de Javé no Antigo Testamento. Na base do conceito da separação de Javé, o seu Libertador, de tudo que é do ser humano e da terra, o desenvolvimento distintivamente hebraico da santidade do Senhor começa com o uso da palavra `santa` no sentido pessoal, com referência ao Senhor. A santidade não é propriamente um atributo de Deus. Descreve antes a própria natureza de Deus. Assim, a santidade abrange, ou compreende, todos os atributos de Deus. É na santidade que Deus é transcendente, ficando, na Sua Divindade, por cima de tudo e independente de toda a Sua criação. Entre os semitas em geral, incluíndo os hebreus primitivos, o termo "santo", no seu sentido, não descreve uma qualidade moral quando se refere a Deus ou ao ser humano. Quando se refere aos seres humanos e às coisas, a palavra significa que estes pertencem a Deus. Quando se refere ao Senhor, descreve a Sua transcendência ou tudo em que Deus é a antitése do ser humano. Portanto, pessoas separadas para o serviço do Senhor deviam ser aptos e idôneos, santificados para servir ao Deus Santo. Como a justiça Divina é um elemento integrante da santidade, assim também o povo que pertence a Deus tem que ser um povo justo. Entre os profetas e escritores Bíblicos o conceito da ética e justiça entre os seres humanos fica enraizado na sua relação com Deus, "O Santo de Israel". As pessoas que pertencem a Deus devem ter o mesmo caráter ético e a mesma pureza moral do Senhor, tanto quanto fossem capazes, com o socorro da graça Divina, de desenvolver tais qualidades morais. A Santidade de Deus significa a Sua separação do universo, no sentido de que Ele é absolutamente superior e independente de tudo que criou. É, portanto, impossível fazer uma imagem de Deus. É absoluta a proibição de representar Deus por qualquer figura ou imagem. Não se pode fazer argumentos na base dos antropomorfirmos Bíblicos, em favor de imagens, sem violar diretamente os preceitos do Senhor, claros e absolutos, e ao mesmo tempo profanar a Santidade de Deus. Os escritores do Antigo Testamento não podiam dispensar os antropomorfismos quando tratavam de pensamento representativo ou ilustrativo. A interpretação literal de tais expressões é corrigida dentro da Bíblia pelo alto conceito de Deus como Espírito.
5.4. A JUSTIÇA DE DEUS
A justiça do Senhor é o atributo de perfeição moral que caracteriza a Sua Santidade, a Sua própria natureza, a Sua Divindade. Os Seus pensamentos, os Seus propósitos, os Seus motivos e todos os Seus atos são absolutamente retos e perfeitos. O padrão Divino da justiça é tão eterno como o próprio Deus. Um ato de Deus é justo simplesmente porque Ele o praticou. Tudo que Ele faz é de perfeito acordo com o eterno padrão da justiça. Ele não pode ser o mentor, nem fazer qualquer tipo de injustiça. A santidade designa a divindade, que pertence ao Senhor. Antes do tempo dos grandes profetas do século oitavo antes de Cristo, o povo de Israel identificou a Santidade com a Natureza Divina, mas, começando com Amós, os profetas deram um novo sentido, uma nova interpretação da Santidade, por associá-la com o seu novo entendimento da revelação Divina da justiça. Com o desenvolvimento da justiça filosófica em termos Bíblicos, e a justiça em termos de ética, quase desaparece a distinção entre a justiça Divina e a justiça humana. O apelo filosófico, da justiça, por si só, é limitado, e humanamente fraco, mas reforça a ética Bíblica que, no seu apelo é universal e eterno. Nota-se, especialmente em Isaías (6.1-5), como a visão da Santidade do Senhor produziu no profeta a convicção do seu pessoal e da natureza pecaminosa do seu povo. A justiça significa direitos iguais para todos. Este é o significado da palavra juízo. Como temos observado, a significação básica desta palavra é direito legal, mas é o julgamento que se enraíza no amor de Deus e representa a vontade Divina, quando administrado pelos agentes do Senhor que são fiéis no desempenho da sua função. O julgamento do Senhor sobre as nações em geral, e sobre Israel em particular, resulta dos princípios morais da Sua própria Santidade.
5.5. O REDENTOR DE ISRAEL
Os profetas dão ênfase à justiça de Deus, no livramento de Israel, do cativeiro babilônico, por causa da sua importância na história do reino de Deus. Mas o Senhor vitorioso não limitou as Suas atividades redentoras à salvação do Seu povo dos perigos da opressão social e política, como alguns teólogos querem entender. Quando alguns dos profetas e salmistas pleiteiam a Sua justiça nas petições que dirigem a Deus, eles não querem dizer que são perfeitamente justos, mas apenas relativamente justos em comparação com os seus opressores. Geralmente acompanham tais com a confissão de pecados, arrependimento e desejo ardente de receber perdão e restauração à comunhão com o seu Deus. À luz da Santidade do Senhor, Israel certamente não era justo, e não podia justificar-se, ou salvar-se a si mesmo. A justiça é elemento integrante da santidade, que é a natureza essencial do Senhor. A salvação espiritual de Israel bem como o seu livramento político são conseguidos pela justiça de Deus. Os termos justiça e salvação não são exatamente equivalentes, mas nos Salmos e na Profecia chegaram a ser usados freqüentemente como sinônimos. Assim a justiça de Deus salva, justifica o Seu povo. Não é apenas uma justificação judicial. É o livre perdão do pecado cometido e o restabelecimento da comunhão entre Deus e o ser humano justificado, a felicidade que resulta do amor Divino.
5.6. O AMOR DE DEUS
Aqueles que fazem um estudo cuidadoso do amor de Deus no Antigo Testamento, baseado no conhecimento do hebraico, ficam impressionados com a profundeza deste ensino Bíblico, e podem entender melhor a plena revelação deste amor na Pessoa e nos ensinos de Cristo. Há muitas palavras hebraicas que significam qualidades diferentes do amor humano e Divino, mas o amor de Deus exemplificado nas suas atividades e relações é supremo. É a fonte do amor humano nas suas mais nobres manifestações.
5.7. O AMOR ELETIVO DE DEUS
Alguns estudantes da Bíblia ficam perturbados com as declarações sobre o ódio do Senhor a Esaú. Em Malaquias (1.4), o ódio de Deus a Esaú é representado como sendo ativo e violento, em contraste com o amor a Jacó. Os sentimentos do escritor são atribuídos a Deus, o que é antropopatia. Ora, as palavras hebraicas, como as portuguesas, podem ser usadas em sentidos variados. O verbo hebraico nem sempre representa o ódio ativo e violento. Os escritores Bíblicos maravilhavam-se da eleição de Israel, mas não tentavam explicar por que Deus escolheu o seu povo, ao invés de qualquer outro, para ser a nação sacerdotal entre as nações do mundo. Mas reconhecem que o amor de Deus para com Israel era soberano e irrevogável. O amor de Israel para com Deus é o amor condicionado, submisso, demonstrando-se do cumprimento das exigências no concerto. Israel deve obedecer ao Senhor motivado pelo Seu próprio amor. "Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois ao Senhor teu Deus de todo o teu espírito, e de toda a tua alma e de todo o teu corpo" (Dt 6.4,5). Os motivos Divinos que determinam a escolha de Israel como o povo do conseto encerram-se no Seu eterno propósito revelado em Efésios (3.1-6). A eleição encaminhada, através de Israel, o amor do Senhor a todas as famílias da terra (Gn 12.3-9). O amor do Senhor para com Israel não foi devido a qualquer mérito deste povo. Em Ezequiel (16.4-6), são apresentados os pormenores desagradáveis da origem e da vida de Israel, mostrando que não havia nada de bom, desejável no povo, que merecesse a compaixão do Senhor. Esta linguagem figurativa nos mostra que é difícil qualquer povo merecer o amor de Deus. Podemos crer que Deus viu possibilidade do povo de Israel para o desenvolvimento do seu reino no mundo, mas devia ter havido característicos aproveitáveis em outras nações também. O amor de Deus exigia de Israel obediência fiel e a responsabilidade de cumprir as condições do concerto que Deus fez com ele.
5.8. O AMOR FIEL DO SENHOR NO CUMPRIMENTO DO SEU CONCERTO COM ISRAEL
A palavra hebraica "hesed" é um dos termos mais importantes no estudo da teologia Bíblica. Encerra um conceito fecundo que produz novos pensamentos, quando usada com outras palavras. É usado, principalmente no Antigo Testamento, com referência promissor. Quando se refere a Deus, a palavra designa o Seu amor fiel no cumprimento absoluto do concerto que fez com o Seu povo escolhido. Tão importante é este ensino que alguns teólogos, organizam e relacionam os ensinos do Antigo Testamento ao conceito central do conserto.
5.9. O CONCERTO DO SENHOR COM ISRAEL
Os títulos das duas divisões da Bíblia, o Antigo e o Novo Testamento, têm a sua origem na palavra "berith" do hebraico e "diatheke" do grego, a tradução para o português é "pacto ou aliança", no latim é "testamentum". Consta a palavra "bereth" nas partes mais antigas do Antigo Testamento (Êx 19.5; 24.7,8; 34.10,27,28), com referência ao concerto que Deus fez com Moisés no Monte Sinai. É usada também referente ao concerto de Deus com Abraão, mas alguns pensam que esta tradição surgiu algum tempo depois da época patriarcal. Mas é persistente em toda parte da Bíblia, e assim faz parte significativa na teologia. Apresenta-se no livro do concerto, Êxodo (20.22; 23.33), a idéia do concerto que prevaleceu antes do período dos profetas do oitavo século. Depois do tempo de Josias, o Deuteronômio foi reconhecido como o livro do concerto (2Rs 23.2). Os elementos fundamentais do concerto foram preservados desde o tempo de Moisés, mas os grandes profetas, à luz de Deuteronômio, esclareceram a sua importância na vida e na história de Israel, e na amorável beneficiência de Deus, eles fundaram e firmaram as esperanças para o futuro do povo escolhido no Senhor. No estudo da história de Israel, os profetas entenderam cada vez mais claramente as fraquezas, a desobediência, e as vacilações do seu povo, em contraste com o amor firme, fiel, constante e persistente do Senhor, "O Santo de Israel".
5.10. A SIGNIFICAÇÃO DO HESED DO SENHOR
Não é fácil traduzir o sentido exato desta palavra hebraica, usada tão freqüentemente com referência ao concerto entre Deus e o Seu povo escolhido. Nas versões da Bíblia em português é traduzida por "bondade, beleza, glória, benevolência, beneficiêmcia, benignidade, amorável, misericórdia e compaixão". A palavra era usada primeiro para designar a fidelidade dos contratantes de qualquer pacto. P.ex., no pacto entre Davi e Jônatas (1Sm 20.14-16), eles prometeram usar, um para com o outro, o amor fiel do Senhor. Um pacto assim selado pelo "hesed do Senhor" nunca podia ser desfeito. Quando "hesed" é udada referindo-se à relação de Deus com o povo do concerto, tem o sentido mais perto de graça.
6. A ORIGEM, A NATUREZA E O DESTINO DO SER HUMANO
Não há, em toda a literatura, uma obra tão rica como o Antigo Testamento quanto à exposição da natureza dos ser humano. Não há uma fonte mais importante do que a Bíblia que nos ajude no entendimento da natureza do ser humano, tão desconhecido, até nesta época de tanto progresso no estudo das ciências e da humanidade. Tão variados e complicados são os ensinos Bíblicos do Antigo Testamento sobre o ser humano. Não é fácil recolher e sistematizar todo o material que facilite o entendimento do assunto. O Antigo Testamento ensina a unidade da raça. Como o povo de Israel se originou de Abraão e se multiplicou por Isaque, Jacó e as suas gerações sucessivas, assim também todas as nações do mundo são de um só homem. Mais do que uma nação se originou de Abraão, como também do seu filho Isaque, mais todos os descendentes de Jacó, e assim constituem o povo de Israel. Todos os povos, raças e nações são descendentes de Noé. As famílias dos três filhos de Noé se separaram, e assim começaram o desenvolvimento de todos os povos que estão na face da terra. Os benefícios do conceito que Deus fez com Noé, as promessas Divinas e as obrigações humans, se estendem a todos os povos do mundo (Gn 9.1-17). Com a confusão e a multiplicação das línguas, as pessoas iam-se separando cada vez mais uns dos outros (Gn 11.4-9), criando, assim, problemas de desenvolvimento, de desconfiança, de inimizades e até de mortes. Todas as pessoas são dependentes das suas respectivas unidades sociais, familiares, tribos e nações. A variedade de nações é devida às diferentes línguas, migrações, guerras e adaptações às condições: politicas, climáticas, geográficas e históricas.
6.1. A CRIAÇÃO DO SER HUMANO
O livro de Gênesis apresenta duas explicações da criação do ser humano (1.26-30; 2.4-7,18-22). De acordo com a segunda, que é geralmente considerada a mais antiga, Deus formou o `corpo` do pó da terra e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida, "e o ser humano se tornou ser vivente". Os animais também são denominados seres viventes (Gn 2.19). Mas, nesta narrativa, o ser humano se distingue dos demais animais pela sua natureza moral e espiritual. O Senhor o pôs no jardim do édem para o lavrar e o guardar. E lhe deu uma ordem que elevou e encareceu a sua dignidade. Até a poibição de não comer da árvore da ciência do bem e do mal, visava o seu bem-estar, e o desenvolvimento da sua natureza moral, em obediência ao seu Criador. Deus lhe criou uma companheira digna de tomar o seu lugar ao lado dele, a única criatura capaz de entendê-lo, amá-lo, e de esforçar-se com ele no desenvolvimento recíproco da vida, no gozo das bênçãos e da camaradagem. "Portanto, deixa o homem a seu pai e a sua mãe e se une à sua mulher e os dois se tornam um só corpo" (Gn 2.24). É claro que esta narrativa é antropomórfica, e inferior à do primeiro capítulo, que apresenta o elevo conceito do ser humano criado à imagem e à semelhança de Deus, mas teve influência nas escrituras da Bíblia, e não fica sem alguma importância teológica. Há diferenças nos pormenores das duas narrativas, mas concordam na verdade essencial, de que o ser humano foi criado por Deus, e de que é superior às outras criaturas na sua natureza moral e espiritual, e na sua responsabilidade perante o seu Criador, com a liberdade de obedecer ou desobedecer às ordens de seu Criador. Alguns teólogos exageram as diferenças entre as duas narrativas até o ponto de tirar conclusões infundadas, como esta: "não foi de maneira alguma a intenção de Deus que este Adão e esta Eva fossem os pais da humanidade". A narrativa não diz, nem indica isto. É presunçoso especificar, na base da narrativa, qual foi a intenção do Criador quanto a este casal. Para o redator final de Gênesis, não havia contradição essencial nas duas narrativas. Para ele, este Adão e esta Eva são evidentemente o macho e a fêmea, ou o homem e a mulher, de Gênesis (1.27). O conceito de casamento de Gênesis (2.24) está em perfeita harmonia com Gênesis (1.28), o valor teológico da antiga narrativa da criação, na seguinte observação: "esta explicação, muito antropomórfica, não foi feita exatamente obsoleta quando foi escrita a narrativa que evita o uso de antropomorfismos". O teólogo não pode desprezar esta narrativa da criação do ser humano, segundo Gênesis (2.7), porque a sua importância é largamente reconhecida na Bíblia. A ênfase Bíblica concorda com a ciência moderna quanto à relação do ser humano com a natureza. "do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; pois tu és pó, e em pó te tornarás" (Gn 3.19). "Assim o Senhor Deus o expulsou do jardim do Édem, para lavrar a terra de que fora tomado" (Gn 3.23). A Bíblia é realista nos seus ensinos sobre o ser humano, e fala francamente das suas fraquezas, da sua ignorância, das suas imperfeições, dos seus sofrimentos e da sua mortalidade. A relação do ser humano com as outras criaturas determina muitas das suas frustrações, fracassos e incapacidade de vencer as restrições do seu ambiente físico. Ele tem que sofrer as conseqüências das calamidades da natureza física, a doença e a morte, como os demais animais. Mas apesar de todas as fraquezas de que o ser humano e os animais compartilham, o ser humano se distingue deles pela capacidade de raciocínio através da alma e do espírito. Que o habilita a receber a ordem Divina e aceitar a responsabilidade de obedecer à voz do Criador. As limitações do ser humano, segundo esta narrativa primitiva, são experimentadas pelas gerações sucessivas da humanidade, e assim têm sido um meio efetivo de despertar nas criaturas humanas o sentido das suas necessidades espirituais, e o desejo de correr ao encontro do Criador, para receber o socorro Divino. A outra narrativa da criação (Gn 1.26-30) é livre de antropomorfismos, e apresenta o alto conceito do ser humano criado à imagem e à semelhança de Deus. Nesta passagem, o termo "homem, ou Adão, abrange o homem e a mulher". A mulher foi criada juntamente com o homem, como `ser` igual, e não depois dele, para ser a sua adjuntora. Embora não haja contradição essencial entre as duas narrativas, é claro que o casal desta narrativa representa o ser humano ideal, nas suas pontencialidades espirituais, e na sua nobreza como o alvo e a coroa da criação. Não se contradizem estes pontos de vista acerca do ser humano nem representam dois tipos de ser humano, como dizem alguns. O Antigo Testamento, em todos os seus ensinos, reconhece a natureza complexa do ser humano indicada nestas duas narrativas. Ele representa o mais alto grau, ou o clímax, no processo da criação Divina, a única das criaturas que atinge o nível moral e espiritual. É o seu caráter moral, com a liberdade e a responsabilidade de escolher entre o bem e o mal que determina a complexidade da sua natureza. Esta narrativa (Gn 1.26-31), juntamente com as Escrituras, diretamente relacionadas com ela, visa o ser humano no seu aperfeiçoamento espiritual, enquanto a outra antecipa as conseqüências do abuso da sua liberdade. Assim a Bíblia apresenta o ser humano como a mais honrada das criaturas da terra, dotado com característicos morais que o habilitam para a vida de paz e de comunhão com o seu Criador.
6.2. A REVELAÇÃO DO SER HUMANO COM O SEU GRUPO
A palavra "Adão" significa originalmente `o homem na sua coletividade` (Gn 1.26), ou `um ser humano` (Gn 2.5). Os sociólogos falam do organismo social, ou grupos de pessoas que têm característicos pessoais. Todas as sociedades primitivas dão muita ênfase à solidariedade social do grupo. A personalidade corporal é conhecida entre todos os povos, com característicos variados, como pessoa jurídica. A entidade social, como a família, a tribo e a nação, tem um lugar importante no pensamento dos escritores do Antigo Testamento. A significação da entidade social verifica-se, segundo o Antigo Testamento, na íntima relação do ser humano com o seu grupo. O seu caráter é estimado pelo caráter da família (Gn 7.1), e até da sua geração (Jz 2.10). O ser humano está ligado não somente aos contemporâneos do seu grupo, mas também aos seus antepassados e à sua prole após ele. Deus fez o Seu concerto no Monte Sinai, com "o povo de Israel", que desde então chamava-se "o povo de Deus, Seu povo, e assmbléia ou a congregação de Israel". Este povo assim se distingue de todos os outros povos do mundo, por sua relação espiritual com Deus. Na discussão da relação do ser humano com o seu grupo, muitos se esquecem da natureza complexa e paradoxal do ser humano, e julgam que a sua dependência, e a sua solidariedade com o grupo lhe tenham roubado a individualidade. "A pura individualidade não se encontra no Antigo Testamento", e isto depois da mais importante declaração no segundo parágrafo do capítulo: "esta história é altamente pessoal, pois devota a sua atenção a muitos indivíduos de ambos os sexos, que ocuparam posições de importância na nação". A verdade é que havia uma tensão no espírito do ser humano do Antigo Testamento entre os seus sentimentos de dependência e de independência do grupo. Os exemplos numerosos de apostasia religiosa, bem como o personalismo que resultaram nas rivalidades e revoltas políticas, testificam amplamente das renúncias, da dependência absoluta do grupo, e até, em alguns casos, da própria família. No período primitivo da história de Israel, quando as tribos lutavam com os cananeus, pela sua própria sobrevivência, a solidariedade do povo era mais necessária, mais importante para o grupo inteiro, e recebeu mais ênfase, mas erram aqueles que dizem que Jeremias e Ezequiel descobriram o indivíduo. A verdade é que o ser humano nunca foi considerado apenas como membro do seu grupo sem qualquer responsabilidade pessoal. Nem se livrou da dependência do grupo desde Jeremias e Ezequiel. Como foi observado, a psicologia do povo de Israel apresenta problemas para o intérprete do ser humano Bíblico, mas é fácil exagerar e interpretar erradamente a psicologia dos escritores do Antigo Testamento. A sociedade moderna sofre por causa dos pecados de seus membros, e em muitos casos tem que aceitar uma medida da culpa de seus delinqüentes. Este princípio da solidariedade do grupo é mais acentuado no Antigo Testamento. Está se manifestando na sociedade moderna uma forte tensão entre o indivíduo e a sociedade. A filosofia comunista vai longe do que o Antigo Testamento na importância que dá ao grupo, com desprezo dos direitos do ser humano individual.
6.3. A NATUREZA DO SER HUMANO DO ANTIGO TESTAMENTO
No estudo deste assunto encontram-se vários termos hebraicos de interesse especial. Foi examinada a etimologia da palavra "ruah" (espírito) no estudo do Espírito do Senhor, notando-se como a palavra é usada em tantos sentimentos diferentes. Quando se refere ao espírito do ser humano, pode designar o temperamento, o impulso ou a disposição como "o espírito de ciúmes" (Nm 5.14-30); "angustia do espírito" (Jó 7.11,14); "espírito quebrantado" (Sl 51.17); "espírito arrogante" (Pv 16.18). Deus forma o espírito do ser humano (Zc 12.1), e o preserva (Jó 10.12). Quanto a pessoa morre, o espírito volta a Deus (Ec 12.7). Assim o espírito é geralmente reconhecido como o elemento mais importante do ser humano, o qual ele recebe de Deus. O espírito de juízo (Is 28.6); o espírito de sabedoria (Êx 28.3), e o espírito profético (Is 61.1) são todos manifestações do Espírito do Senhor, em conformidade com o espírito do ser humano. Os hebreus faziam uma distinção clara entre o espírito e o corpo (bassar) do ser humano. O ser humano é corpo (bassar), animado pelo espírito (ruah), assim se tornando uma pessoa ou ser vivente (nephesh). O espírito que o ser humano recebe de Deus é além de "fôlego de vida" (nishmth hayim) o elo de ligação com o Senhor. Quando o espírito (ruah) do ser humano volta para Deus, o corpo (bassar) volta à terra como era (Ec 12.7; Sl 146.4). É difícil fazer uma distinção exata entre "nephesh, ruah e leb" do ser humano. O pensamento é que pode representar a atividade de qualquer um destes órgãos, mas isto quer dizer que as palavras são sinônimos, a não ser em sentido muito limitado. São os elementos básicos da personalidade do ser humano do Antigo Testamento, o corpo, a alma e o espírito. O Antigo Testamento não tem uma palavra que seja o equivalente exato de "corpo" no sentido moderno da palavra "carne" é usada quase no mesmo sentido de corpo. Por falta de distinções no sentido dos termos hebraicos, e o uso da palavra "nephesh" (alma) em tantos sentidos diferentes, não é possível, provar que o ser humano Bíblico seja apenas corpo e espírito, mas é possível com as mesmas palavras identificar o corpo, a alma e o espírito em consonância com o texto Bíblico. Mas, considerando que a alma (nephesh) é a vida, o resultado da união do espírito (nishmath hayim) e o corpo nos termos modernos, o corpo, a alma e o espírito abrangem os elementos integrantes do ser humano.
6.4. A NATUREZA RELIGIOSA DO SER HUMANO
Com este estudo dos elementos essenciais do ser humano, foram observados alguns característicos do seu corpo, alma e espírito. O espírito humano está aliado ao Espírito de Deus, e tem o poder ou a capacidade de receber a orientação Divina e as influências do Espírito do Senhor. A Bíblia foi escrita na linguagem popular da época, e não obstante a dificuldade de seus antropomorfismos e a diferença entre a sua psicologia e a dos eruditos modernos, a natureza espiritual do ser humano do Antigo Testamento não é essencialmente diferente da do ser humano moderno. Apesar da sua ignorância científica do corpo do ser humano, é inigável que os escritores ´bíblicos tinham profundo conhecimento da sua natureza espiritual. Descrevem em traços largos a covardia e a coragem, a vacilação e a persistência, a arrogância e a humildade, o desânimo e o rigor, as dúvidas e a fé, dos filhos de Israel. Os livros históricos, poéticos e proféticos tratam largamente das necessidades e aspirações religiosas do povo e testificam freqüentemente do seu regozijo pessoal na comunhão com Deus. O Espírito de Deus, que é o mesmo Deus, transmitidos ao ser humano, dá-lhe sentido a vida intelectual, moral e religiosa. É este espírito invisível que distingue o ser humano das outras criaturas de Deus. O antropomorfismo do escritor Bíblico representa Deus como possuíndo fôlego, o princípio da vida, que soprou nos narizes do ser humano, com o resultado de que o tornou ser vivente. É este espírito vital do ser humano, recebido de Deus, que determina a sua natureza religiosa. As pessoas do Antigo Testamento são habilitadas para entender e fazer a vontade de Deus, com o auxilio que recebe de Deus por intermédio dos profetas. Deus honrou e exaltou as pessoas com o privilégio de gozar comunhão espiritual com Ele, e distinguir-se o Seus servos na terra, ao lado dos anjos que O servem nos céus. "Mas Serei contigo; e isto te será por sinal de que Eu te enviei: quando houveres trazido o povo do Egito, servireis a Deus neste monte" (Êx 2.12). "Deixa ir o Meu povo, para que Me sirva" (Êx 8.1,20; 9.1,13; 10.3,7). Ao lado deste propósito Divino, que o ser humano foi feito para servir ao seu Criador, é a fome espiritual do ser humano, e o desejo de achar paz, descanso e regozijo em harmonia com a vontade e o amor do seu Deus. Na sua natureza espiritual o ser humano é muito diferente de Deus, e está longe de Deus, mas como criatura espiritual, ele é capaz de gozar comunhão com Deus, porque o seu espírito tem afinidade com o Espírito do Criador, a afinidade que lhe foi concedida no ato da criação. Portanto, ele tem o privilégio e a sagrada obrigação de manter esta comunhão, e assim cumprir o propósito Divino na Sua criação. É o ser humano religioso que sente mais profundamente a sua dependência de Deus. A sua confiança, a sua gratidão, e o seu sentido de dependência de Deus é especialmente notável no livro de Salmos. Neste livro de culto das pessoas piedosas de Israel, nota-se a paz espiritual das pessoas que descansam em Deus. Assim o Antigo Testamento reconhece que o ser humano foi criado por Deus e para Ele, e que as pessoas não podem ser felizes sem achar descanso no seu Senhor.
6.5. CARACTERÍSTICOS DO PENSAMENTO DAS PESSOAS DO ANTIGO TESTAMENTO
A psicologia dos hebreus, e os antropomorfismos de seus escritores. Crendo na afinidade do seu espírito com o Espírito do Senhor e que forças de fora podiam invadir o espírito humano, o hebreu julgava-se capaz de reconhecer a operação do Espírito de Deus no seu espírito e na sua vida. Ligado com o seu reconhecimento da justiça do Senhor, o hebreu pensava segundo as formas da justiça na sociedade humana. O modo de pensar hebreu era notavelmente teocêntrico. Não tinha a mentalidade científica no sentido moderno da ciência. Não pensava em causas secundárias. Ligado com o seu reconhecimento das atividades diretas do Espírito do Senhor no seu espírito, o hebreu acreditava que Deus é o causador direto de tudo que acontece no mundo. Há, todavia, uma modificação gradual desta idéia de que Deus faz tudo. Com o desenvolvimento do estudo sobre satanás, constata-se, que o adversário do Senhor é o promotor das forças do mal no mundo. Pensando que Deus é o causador direto de tudo o que acontece, sem o reconhecimento de causas secundárias, não distinguiam nitidamente entre as operações da natureza física e as atividades diretas de Deus ou o milagre. Os israelitas reconheceram os sinais e maravilhas do Senhor, mas nem todos estes eram milagres, segundo a definição estrito do milagre Bíblico. As operações de Deus através da natureza física eram maravilhosas para o povo de Israel (Sl 145.16). O maior de todos os milagres, segundo alguns dos profetas, foi o amor persistente do Senhor que preservou o povo escolhido e o guiou através de todos os sucessos imprevistos da sua história. Não obstante os antropomorfismos dos escritores do Antigo Testamento, o conceito de Deus que se apresenta no Decálogo, e através dos seus escritos, é que o Senhor é Espírito Santo. Reconheciam que Deus podia assumir forma de anjo ou de homem, e assim se apresentar aos patriarcas e outros, todavia, não era a forma, mas a mensagem transmitida que tinha importância. Com todas as suas experiências de comunhão direta com Deus, e as comunicações ou revelações transmitidas ao seu entendimento, eles reconheciam a impossibilidade de adquirir ou receber conhecimento perfeito ou complexo da natureza de Deus. Para os israelitas, a verdadeira justiça é de Deus. O conceito Bíblico de justiça é mais antigo e está mais firmemente baseado do que o conceito grego, que foi desenvolvido na base filosófica. A `Assembléia Legal` dos israelitas, composta de príncipes, anciãos ou oficiais reconhecidos, podiam reunir-se em qualquer lugar quando havia necessidade de seu serviço. Há um incidente na vida do profeta Jeremias que oferece uma ilustração da presteza e eficiência da Assembléia. Apresentando-se no átrio da casa do Senhor, o profeta declarou que tinha recebido do Senhor a segunte mensagem: se o povo não se arrependesse e se não se convertesse se seu mau caminho, e se não andasse na lei do Senhor, o templo seria destruído como fora destruído o tabernáculo em Siló, e a cidade seria uma maldição para todas as nações da terra. Quando a multidão acabou de ouvir a palavra de Jeremias, os sacerdotes, os profetas e o povo pegaram nele, dizendo: "certamente morrerás". Os príncipes, juizes da Assembléia, se reuniram e se assentaram à entrada da porta nova da casa do Senhor. Ouviram primeiro as queixas dos sacerdotes e profetas. Depois Jeremias, em poucas palavras, apresentou dignamente a sua defesa. Então os juizes pronunciaram o seu veredito: "este homem não é réu de morte, porque nos falou em nome do Senhor nosso Deus" (Jr 26.16).
6.6. O SER HUMANO CRIADO À IMAGEM E À SEMELHANÇA DE DEUS
Teólogos modernos do Antigo Testamento tem pouco a dizer sobre a imagem Divina no ser humano. Dizem que a idéia aparece apenas na narrativa sacerdotal. Assim "a imagem" ou "a semelhança de Deus" é mencionada apenas em Gênesis (1.26,27; 5.1; 9.6). É claro que o redator de Gênesis preservou as duas narrativas da criação porque julgava que ambas eram importantes. São complementares e harmoniosas, e não contraditórias. Não se pode negar a significação dos pontos de vista diferentes dos escritores do Antigo Testamento. Cada escritor apresenta a sua própria contribuição, que geralmente tem valor especial. É inegável que a doutrina da criação é de importância especial, com ramificação nos ensinos dos escritores Bíblicos, e que as duas narrativas da criação tem a sua influência na literatura Bíblica, e por isso tem valor no estudo da Teologia do Antigo Testamento. Embora mencionando poucas vezes, este conceito do ser humano criado à imagem de Deus, concorda perfeitamente com o teor dos ensinos bíblicos sobre a dignidade e a responsabilidade do ser humano. A segunda narrativa da criação, com ênfase no fato de que o espírito do ser humano veio do Espírito de Deus (Gn 2.7), explica a afinidade do ser humano com Deus. A possibilidade de comunhão entre Deus e o ser humano depende absolutamente desta semelhança entre Deus e o ser humano. Alguns pensam que a imagem Divina significa apenas a autoridade do ser humano sobre os animais. "E Deus os abençoou, e lhes disse: frutificai, multiplicai-vos, enchei a terra, a sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra" (Gn 1.28). Mas a mera autoridade sobre os animais tem pouca importância em relação com a imagem Divina no se humano. É em virtude de sua semelhança com Deus que o ser humano recebe a promessa de autoridade sobre os animais. O ser humano recebe uma ordem e uma responsabilidade, reconhecimento da sua dignidade, mas tem que se esforçar para estabelecer a sua autoridade (Gn 1.28-31). É claro que a imagem e a semelhança Divina se acham na personalidade do ser humano. Deus se apresenta como Pessoa através de todas as Escrituras do Antigo Testamento. Há dois característicos essenciais da personalidade: a consciência própria e a direção própria. É certo que a imagem Divina no ser humano não significa uma representação perfeita de Deus. Todavia, o Salmista ousadamente declara que ele foi feito "pouco abaixo de Deus" (8.5). Podemos verificar, pelas Escrituras, que Deus e o ser humano tem os seguintes característicos em comum: as faculdades de sentir, raciocinar e querer. Ora, Deus tem estes poderes em absoluta perfeição. Nota-se todavia, que Ele nã precisa raciocinar, como nós, para descobrir a verdade por um processo de lógica. Mas a Bíblia nos revela o fato de que Deus freqüentemente ajuda os seus mensageiros, no processo de raciocinar e esclarecer as mensagens Divina digidas aos Seus ouvintes (Sl 94.9); Am 3.2; Is 1.18) e em todos os apelos à inteligência do ser humano. Em toda parte no Antigo Testamento a livre vontade do ser humano, juntamente com a sua responsabilidade moral, é reconhecida. A liberdade e a responsabilidade são carolários da natureza ética do ser humano. Ele não pode ser livre, sem a responsabilidade na prática da liberdade. Não se encontra no Antigo Testamento qualquer afirmação ou negação do livre arbítrio do ser humano, mas ele se apresenta com o sentido de responsabilidade da liberdade de escolha entre o bem e o mal; "Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênão e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência" (Dt 30.19).
7. A DOUTRINA DO PECADO
O conceito que qualquer pessoa, ou qualquer povo, tenha do pecado é determinado por seu entendimento do caráter de Deus e da natureza do ser humano. O entendimento da natureza do pecado no Antigo Testamento, p.ex., acompanha a revelação progressiva de Deus, ou por outro lado, o progresso do conhecimento humano da santidade de Deus (Is 6.1-5). Há uma diferença que merece atenção, p.ex., entre as idéias do pecado contra o ritualismo na história primitiva de Israel, e o conceito do pecado contra a justiça de Deus, segundo os profetas. Encontram-se evidências, através do Antigo Testamento, de um conflito de idéias entre o ponto de vista dos sacerdotes e o dos profetas, quanto à importância do sistema ritual e sacrificial. O conflito chegou à sua maior intensidade np período dos profetas Amós, Oséias, Miquéias e Isaías. Mas o leitor cuidadoso da história dos israelitas não pode deixar de observar que, depois da volta do cativeiro, havia uma nova ênfase no cerimonialismo, especialmente por Esdras e Neemias. O profeta Ageu também dá ênfase ao cerimonialismo, e Malaquias condena o casamento com mulheres estranhas, e representa o ponto de vista dos sacerdotes na questão das ofertas e dos dízimos. Não se nega o valor do ministério dos profetas dessa época, em manter a união e a vida religiosa do seu povo, nesse período crítico da sua história, mas é claro que eles não apresentam os ideais da religião espiritual que Isaías e Jeremias tinham proclamado. Seria interessante fazer aqui um estudo mais elaborado do que significado do sistema sacrificial na vida religiosa de Israel, mas trata-se deste assunto na discussão da doutrina da salvação. É mencionado nesta conexão porque ajuda no esclarecimento da natureza do pecado no Antigo Testamento.
7.1. A MORALIZAÇÃO DO CONCEITO DO PECADO
Entre os povos primitivos, o pecado era considerado simplesmente como ofensa contra Deus, e por algum tempo alguns israelitas tiveram esta mesma opinião. Mas quando uma ofensa foi cometida voluntariamente contra Deus, foi reconhecida, sem dúvida, como violação do sentido ético ou moral do ser humano. No entanto, uma violação involuntária da lei moral era punida, bem como as ofensas deliberadas. Também a lei cerimonial exigia a observação de muitos ritos que tinham importância para os israelitas da época, mas perderam a sua significação à luz de novas revelações Divina. Ritos religiosos e costumes sociais eram estritamente observados, e a falha em cumprir qualquer das leis cerimoniais da religião trazida sobre o ofensor a ira Divina. Não sabendo da ordem do seu pai, Jônatas comeu um pouco de mel, e foi condenado por Saul, mas libertado pelo povo. Não havia qualquer princípio de justiça na maldição proclamada por Saul, mas representava o espírito de reverência do povo da época. A morte de Uzá, quando ele estendeu a mão para segurar a arca do Senhor, foi interpretada como devida à ira do Senhor. A lei moral associava-se, às vezes, com o costume do povo. Davi pecou quando numerou o povo de Israel, uma coisa que "não se fazia em Israel". Nabal se tornou culpado porque se recusou a pagar a cobrança costumeira a Davi e seu pessoal. Os fenícios e os cananeus praticavam ritos religiosos, leis cerimoniais, festas e seu sistemas de sacrifícios, os quais evidentemente tiveram a sua influência, por algum tempo, na vida religiosa de Israel. A natureza ética e moral da religião dos hebreus estabelecida por Moisés sempre lutava contra as influências insidiosas do baalismo e da imoralidade dos cananeus. Os profetas Samuel, Elias e outros eram defensores de Javé contra Baal em períodos de crise. Até no tempo de Oséias, alguns israelitas, segundo o profeta, não sabiam que era o Senhor Javé, e não Baal, que lhes dava o cereal, o vinho, o azeite, a prata e o ouro que eles usavam para Baal. Quando chegamos aos profetas literários, encontramos a moralização completa do conceito. Os profetas deixavam de lado os ritos e as cerimônias religiosas, ou os tratavam como de menos importância. Proclamavam que Deus não ecigia sacrifícios e holocaustos, mas obediência à lei moral (Os 6.6). O sacrifício oferecido como substituto da justiça era abominação perante o Senhor (Am 5.21-24; Is 1.10-17). Tais sacrifícios, com a multiplicação de altares, não somente não agradavam ao Senhor, mas eram "altares para pecar" (Os 8.11). Os profetas ensinaram com clareza e com ênfase que qualquer injustiça praticada contra o próximo, é pecado contra Deus. Condenaram severamente todas as formas de pecado social, o adultério, a opressão do pobre e do operário, o suborno, a fraude e todos os atos perpersos. Os profetas deram mais ênfase à natureza pecaminosa do ser humano que comete o pecado. Atos de pecado são condenados, mas era a natureza corrupta do pecador que perturbava os profetas. Era o próprio pecador que, no seu egoísmo, na sua arrogância e no seu espírito revoltoso contra o Senhor, trazia a ruína sobre a nação. O profeta Oséias representou o pecado como hábito (5.4), tão arraigado no espírito do pecador, que era difícil removê-lo (10.12). Isaías condenou as ofertas e os holocaustos, as cerimônias e orações que não representavam o verdadeiro espírito de culto de adoração (1.10-17; 29.13). Mas Jeremias, como nenhum outro profeta, deu ênfase ao elemento subjetivo na vida moral e religiosa. O Senhor prova os rins (alma) e o coração (espírito) (11.20; 17.10; 20.12) e julga retamente. Os `rins` (alma) representam as emoções e os pensamentos, e o `coração` (espírito) representa os sentimentos espirituais do ser humano, a sua natureza moral e espiritual, as sedes do bem e do mal. Deus se apresenta às pessoas de Israel, dizendo: "escultai a Minha voz, e Eu serei o vosso Deus, e vós sereis o Meu povo; andai por todo caminho que vos ordeno, para que vos vá bem" (7.23), mas na dureza do `coração` (espírito), a raiz do pecado (9.14), eles não escutaram; afastaram-se ainda mais de Deus (7.24). A obstinação do ser humano não lhe era inerente ou natural, mas pela prática, o hábito ficou tão enraizado, tão fixo, na sua natureza que se tornou tão incapaz de mudar a sua natureza pecaminosa, como seria para o leopardo as suas malhas (13.23). Com a ênfase nos pecados sociais, os profetas chegaram a entender mais claramente a natureza dos pecados cometidos diretamente contra o Senhor. A adoração de outros deuses e o culto prestado aos ídolos fabricados pelos seres humanos minavam as bases religiosas da ética. O culto prestado a Baal e aos seus associados ajuntava-se freqüentemente com formas baixas de imoralidade. A idolatria, a adoração de deuses estranhos, as intrigas políticas, e as alianças com a Assíria e o Egito representavam o espírito de rebelião contra o Santo de Israel. Os profetas entendiam e interpretavam as várias formas da infidelidade que minavam a autoridade do Senhor Javé, e ameaçavam destruir a fé e a esperança de Israel.
7.2. PALAVRAS HEBRAICAS QUE DESCREVEM A NATUREZA DO PECADO
É riquíssimo o Antigo Testamento na variedade de termos que significam pecado. A história da influência e das conseqüências do pecado na vida do povo do Antigo Testamento é de profundo interesse para os estudantes da natureza humana. O Novo Testamento acrecenta pouco ao entendimento da natureza do pecado, fora dos exemplos de ódio despertado pela santidade de Cristo e de Seus discípulos. A doutrina Bíblica do pecado fica entrelaçada com a revelação do caráter de Deus, e do ser humano criado à imagem Divina para viver em comunhão com o seu criador. Ateístas e outros, com idéias torcidas do caráter de Deus, professam ficar escandalizados com o Déspora do Antigo Testamento que exige a subordinação absoluta do ser humano. Aqueles que entendem a estrutura moral do universo, e reconhecem as forças do mal que operam no mundo contra o bem, depositam a sua confiança no triunfo final do Deus soberano, do Deus da verdade e justiça. O português, bem como o inglês, luta com dificuldade na tradução de uma palavra hebraica por uma só palavra que dê o sentido exato em nosso vernáculo. A classificação das palavras hebraicas em grupos, de acordo com o seu sentido geral, facilita a explicação da natureza das formas do pecado. Há um grupo de palavras que descrevem o pecado como sendo o desvio do caminho reto. O verbo `hata`, com os três substantivos da mesma raiz, é o termo mais conhecido deste grupo, e tem o sentido radical de "errar o alvo". Entre os guerreiros de Benhamim haviam homens que podiam "dar tiros de funda num cabelo sem errar" (Jz 20.16). Assim a palavra se usa no sentido de `perder` uma coisa de valor, ou `falhar` na responsabilidade de alcançar um alvo importante. Quem `perder` "pecar contra" a sabedoria, faz violência a si mesmo (Pv 8.36). O verbo é usado mais de 200 vezes, e as formas do substantivo, 198 vezes no Antigo Testamento. A palavra hebraica corresponde, até na etimologia, à palavra grega, `hamartia`. Chega a ser usada para designar qualquer forma de pecado. Designa freqüentemente o mal praticado contra o próximo (2Sm 19.20; 1Rs 8.3l); o pecado contra o concerto (Êx 32.30-33); e pode degnar a blasfêmia, como em (Jó 1.5,22), a palavra refere-se ao pecado íntimo, nos pensamentos. "Talves que meus filhos `tenham pecado, e renunciado` a Deus nos seus `corações` (sentimentos)". Encontra-se a palavra em paralelismos, como sinônima de `incredulidade` (Sl 78.32), e de `rebelião` contra Deus (Is 43.27,28). A palavra `avon, iniqüidade, culpa`, deriva-se da raiz "ava", que também significa `errar o caminho`. O termo é usado no sentido de `torcer, perverter, desviar, ficar culpado de perversidade`. Sempre indica a natureza perversa do ser humano. Tem o sentido também de `castigo de iniqüidade`. Usada 231 vezes, a palavra sempre designa `pecado de má intenção`. "Ai da nação pecaminosa `hote`, povo carregado de iniqüidade!" Muitas vezes a palavra significa `culpa` ou da iniqüidade cometida, ou da natureza perversa que pratica a iniqüidade. Na acusação de Jó. Elifaz declara: "a tua `iniqüidade` ensina a tua boca" (15.5). O profeta Jeremias declara que as pessoas de Judá haviam tornado às `iniqüidades` dos pais, servindo a outros deuses e violando o concerto que o Senhor fizera com os seus pais (11.10). A palavra `avon` é usada em alguns paralelismos como sinônima de `hata` (Is 5.18). Os verbos `shaga` significam `errrar, extraviar-se, desencaminhar-se, vaguear, pecar`. Estes verbos designam pecados cometidos por ignorância, ou por falta de cuidado, contra a lei cerimonial (Lv 4.2,22,27). "Se alguém pecar `hata` por ignirância `shaga`, oferecerá uma cabra de um ano como ofera pelo pecado" (Nm 15.27). Os verbos `sur e sug` significam `virar, desviar, afastar, abandonar, apostar, revoltar`. O substantivo `sara` significa `deserção, apostasia`. "Depressa `se desviaram` do caminho `sur`, por onde seus pais andaram em obediência aos mandamentos do Senhor" (Jz 2.17). Os verbos `natash e azab` também significam `abandonar`. "Abandonou a Deus, que o fez, e tratou com desprezo à rocha da sua salvação" (Dt 32.15). "Deixaram `azab` o concerto do Senhor, Deus de seus pais, o qual fez com eles, quando os tirou da terra do Egito" (Dt 29.25). Muitas palavras descrevem de uma ou de outra maneira, o pecado do povo de Israel na violação do concerto do Sinai.